Em parecer enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF) a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, defendeu o deferimento dos pedidos apresentados em mandado de segurança ajuizado pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) contra inquérito instaurado de ofício pelo presidente do STF, Dias Toffoli. A ANPR requereu a concessão da liminar para garantir direitos ligados à atuação profissional, à intimidade, à locomoção e à liberdade de expressão de seus associados. O Inquérito 4.781 apura responsabilidade sobre fatos classificados pelo presidente da Corte como notícias falsas (fake news), denúncias caluniosas, ameaças e infrações que atingem a honorabilidade e a segurança da Suprema Corte, de seus membros e de familiares. Caso o Tribunal não suspenda os efeitos da ação, a ANPR pede que o STF remeta qualquer ato envolvendo procuradores da República à Procuradoria-Geral da República, conforme determina a Lei Complementar 75/1993
Para Raquel Dodge, a ANPR está atuando em defesa de seus associados, portanto, tem legitimidade para pedir que o Supremo assegure aos procuradores o direito à liberdade de expressão, bem como de não serem alvo de investigação sem a supervisão do Ministério Público Federal . Ela concorda ainda com a via do mandado de segurança para garantir esse direito aos membros do MPF. No mês de abril, após questionar aspectos envolvendo o procedimento, a procuradora-geral da República arquivou, enviou ao STF manifestação de promoção de arquivamento do inquérito instaurado pelo presidente do Supremo e que tem como relator o ministro Alexandre de Moraes.
A procuradora-geral da República questiona os argumentos da União, de que, por se tratar de procedimento sigiloso, ninguém sabe quem está sendo investigado e, portanto, não haveria lacuna para que a ANPR solicite um mandado de segurança para garantir que procuradores não sejam alvo de operações sem a supervisão do MPF. “Se, de um lado, a União afirma que não dá para inferir que os associados da ANPR sejam objeto do Inquérito 4.781, o raciocínio contrário também se aplica, ou seja, não há como afirmar que não estejam sendo investigados”.
No parecer, a PGR reitera que o inquérito – da forma como foi instaurado – representa violação do sistema constitucional acusatório e afirma que “ a Constituição de 1988, ao estabelecer o primado da democracia, também instituiu o sistema penal acusatório e um conjunto de garantias individuais necessárias para assegurar um julgamento penal justo, como o juiz natural, a anterioridade da lei penal, o contraditório, a ampla defesa, o habeas corpus, e o devido processo legal. A expressão máxima – mas não única – do sistema penal acusatório está contida no art. 129-I da Constituição, que separa nítida e inexoravelmente as funções de acusar e julgar, até então passíveis de serem acumuladas pelo juiz, ao atribuir privativamente ao Ministério Público a titularidade da ação penal pública. Não é pouco. A Constituição promoveu uma transformação radical de sistemas, instaurando uma nova era penal no Brasil, que tem sido responsável pela transformação do sistema de justiça, tornando-o mais confiável e fazendo a lei valer para todos, de modo justo.”
Raquel Dodge ressalta, ainda que a portaria e o inquérito do STF também violam princípios constitucionais da separação de Poderes e do juiz natural. Ela sustenta que, se o órgão que acusa é o mesmo que julga, não há garantia de imparcialidade e haverá tendência em condenar o acusado, ainda que lhe seja garantido o direito de defesa. Lembra ainda que, além de ter sido iniciado de ofício por magistrado, o Inquérito 4.781 tem sido conduzido diretamente pelo ministro-relator, escolhido pelo presidente da Corte, sem a participação do Ministério Público, e que diferentes meios de comunicação noticiaram a determinação judicial – sem a prévia intervenção da PGR – de medidas cautelares penais.