O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou, em sessão extraordinária realizada na manhã desta quarta-feira (23), o julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADC) 43, 44 e 54, que discutem a possibilidade de execução provisória da pena antes de esgotadas todas as esferas recursais (trânsito em julgado). As ações foram ajuizadas pelo Partido Ecológico Nacional (PEN, atual Patriota), pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB).
O tema central da discussão é o chamado princípio da presunção de inocência (artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal), segundo o qual “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Pela manhã, o julgamento prosseguiu com a manifestação dos dois últimos representantes das entidades interessadas na questão jurídica admitidas pelo relator (amici curiae) – Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP) e Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) –, do advogado-geral da União, André Luiz Mendonça, e do procurador-geral da República, Augusto Aras.
Entidades interessadas
Em nome do IASP, o advogado Miguel Pereira Neto pediu ao Plenário do STF que declare constitucional o artigo 283 do Código de Processo Penal (CPP), que exige o trânsito em julgado da sentença penal condenatória para que o cidadão possa ser preso, salvo em casos de flagrante, prisão temporária ou prisão preventiva. Para ele, o princípio constitucional da presunção de inocência e a norma do CPP são claros em sua literalidade semântica, não sendo cabível relativizar, flexibilizar, personalizar ou modular direitos e garantias individuais.
O advogado Técio Lins e Silva iniciou sua sustentação em nome do IAB ressaltando que a questão discutida nas três ADCs é fundamental para o país, para a história do STF, para a cidadania e para a democracia. Ele enfatizou a importância da decisão para os pobres, que formam a imensa maioria dos presos no país, cuja realidade foi demonstrada pelos defensores públicos que ocuparam a tribuna na sessão anterior.
Referindo-se a tempos difíceis que o Brasil atravessa, o advogado afirmou que eventual decisão do STF julgando procedente as ações não significará desapreço à Operação Lava-Jato ou medida que vise tornar impune a corrupção. Lins e Silva destacou que o princípio constitucional da presunção de inocência não se submete a nenhum tipo de interpretação e que o artigo 283 do CPP nada mais é do que “a realização processual da regra constitucional”.
AGU
O advogado-geral da União, André Luiz Mendonça, defendeu a relatividade dos direitos individuais em sua manifestação e afirmou que, na construção de um Estado Democrático de Direito livre, justo e solidário é preciso também considerar os direitos das vítimas, e não só os dos acusados. Para ele, a privação de liberdade, quando respeitado o devido processo legal, não se opõe ao princípio da presunção da inocência. Mendonça observou que nos Estados Unidos e no Tribunal Europeu de Direitos Humanos também se dissocia a possibilidade da prisão do princípio da não culpabilidade.
Segundo o AGU, o sistema judiciário brasileiro trata de toda a instrução probatória e fática para chegar à autoria e à materialidade de um crime até o segundo grau de jurisdição, e o recurso às instâncias superiores não deve se transformar em uma “apelação disfarçada”. Em sua avaliação, o artigo 283 do CPP não limita ou se sobrepõe ao texto constitucional e deve ter interpretação conforme a ele, para firmar que “é coerente com a Constituição Federal principiar a execução criminal quando houver condenação em segunda instância”. Ele observou que o próprio CPP já prevê que os recursos de natureza extraordinária não suspendem os efeitos da decisão codnenatória, o que permite que a execução da pena se inicie.
PGR
Em sua sustentação, o procurador-geral da República, Augusto Aras, afirmou que não se pode dizer, com base no dispositivo constitucional, que o trânsito em julgado encerra a certeza da condição de culpado ou de inocente. “Ao contrário, o constituinte autorizou, em certas circunstâncias, a prisão mesmo antes da instauração da ação penal, a partir de indícios de autoria que levem a uma provisória presunção de culpa, como prevê o artigo 312 do Código de Processo Penal (CPP)”, assinalou.
Aras apontou ainda que, uma vez confirmada a condenação em segunda instância, está atendido o duplo grau de jurisdição, requisito previsto na Convenção Americana dos Direitos Humanos. Ele observou que a possibilidade de reexame dos fatos é esgotada no segundo grau (apelação criminal), no qual é garantido o contraditório e a ampla defesa no exame das provas. Na sua avaliação, os recursos especial (ao STJ) e extraordinário (ao STF) são dispendiosos e acessíveis apenas para quem dispõe de maiores recursos financeiros.
Fonte: STF