Alguns assuntos, apesar de inaceitáveis e vergonhosos, ainda persistem como prurida chaga na sociedade, rondando as pautas dos noticiários com certa frequência, como é o caso da violência doméstica.
A Lei Maria da Penha, que completa 14 anos de vigência no próximo dia 7 de agosto, foi um importante avanço no reequilíbrio das relações conjugais, uma vez que previu medidas legais que visaram garantir a integridade física, psicológica e moral de mulheres violentadas em seus lares.
No entanto, à margem da lei, o Brasil tem registrado, a cada dois minutos, uma ocorrência desse tipo de violência, sendo que, durante a pandemia, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) apontou que houve um agravamento de 22,22% dos casos de feminicídio em 12 Estados, quando comparado com o mesmo período de 2019. As maiores altas foram no Acre (300%), no Maranhão (166,7%) e no Mato Grosso (150%).
Estes números frios, embora alarmantes, não reproduzem fielmente as verdadeiras tragédias cotidianas que se abatem sob os tetos brasileiros e destroem famílias inteiras.
O caso emblemático é o da farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, que foi vítima de dupla tentativa de feminicídio, em 1983, cometida por seu, então, companheiro, Marco Antônio Heredia, que atirou em suas costas enquanto ela dormia e, depois de quatro meses, tentou eletrocutá-la durante o banho, tornando-se o símbolo da luta contra a violência doméstica e o nome da Lei n. 11.340/2006.
Sabe-se que, em sã consciência, ninguém se relaciona com pessoas violentas ou se submete voluntariamente a um relacionamento agressivo, mas o envolvimento afetivo e atos abusivos se entremeiam em uma armadilha que pode ser mortal para a mulher.
É preciso entender que a violência não eclode do dia para noite. Cresce lenta e gradualmente nas entranhas da relação. Inicia-se com uma agressão verbal, depois, um pedido de desculpas; há o aumento da tensão e vem a agressão física; depois, demonstra-se arrependimento e comportamento carinhoso. Tensão, agressão e desculpas vão se sucedendo e se ampliando até que se chegue ao feminicídio, compondo, este processo, o que os especialistas chamam de ciclo da violência.
Os motivos avocados para cada agressão não importam. Machismo, ciúmes, traições, posse, comportamentos tidos como inadequados ou qualquer outra mesquinhez não justificam a violência perpetrada contra alguém fisicamente ou financeiramente mais frágil, sendo ato ominoso de pura covardia e desonra.
Contra isso, é chegado o momento de engrossar o coro dos homens e mulheres de bem no repúdio e coibição aos agressores de mulheres, interferindo sempre que qualquer uma delas estiver sob ameaçada, o que poderá evitar a perda de muitas vidas.
A propósito, há alguns anos, uma adolescente entrou na cena de um crime – o quarto de seus pais – e, vendo o campo de batalha que se formara, com manchas de sangue e objetos destruídos, construiu uma pequena e triste poesia:
“Pétalas despedaçadas flutuam no ar;
Vidros estilhaçados espalhados no chão;
Grito estridente que se rasga em um não;
Força covarde que se dissipa o lar…”.
Este “não” foi o da adolescente órfã, que perdeu sua mãe para a violência e seu pai, para o monstro que se tornou naquele dia.
Que esta poesia e o exemplo de Maria da Penha sejam inspiração necessária para que se dê o grito de basta à violência contra mulheres, raiando o dia em que se viverá em uma sociedade onde homens e mulheres possuirão as mesmas condições, oportunidades e garantias para desenvolverem sua potencialidades humanas.