Para os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) é incompatível com os princípios constitucionais da proteção à criança e à família. Com a decisão, o estrangeiro que tem filho de nacionalidade brasileira nascido depois do fato criminoso fica impedido de ser extraditado do país depois do fato criminoso que motivou o ato expulsório.
A decisão, unânime, foi no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 608898, com repercussão geral (Tema 373), concluído na sessão desta quinta-feira (25). O caso diz respeito a um cidadão da Tanzânia condenado, em 2003, por uso de documento falso (artigo 304, combinado com o 297 do Código Penal). Após o cumprimento da pena, foi instaurado inquérito policial para expulsão que, em 2006, resultou em portaria do Ministério da Justiça determinando sua saída do país.
No RE, a União questionava decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que havia proibido a expulsão, levando em conta os princípios da proteção do interesse da criança previstos na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Segundo a União, a legislação da época só vedava a expulsão se a prole brasileira fosse anterior ao fato motivador, e impedir sua efetivação contrariaria a soberania nacional, pois se trata de ato discricionário do presidente da República.
Tratamento discriminatório
O recurso começou a ser julgado em novembro de 2018. O relator, ministro Marco Aurélio, observou que a regra do Estatuto do Estrangeiro (Lei 6.815/1980, artigo 75, parágrafo 1º) que admite a expulsão nessas condições não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988. Na ocasião, o ministro afirmou que o dispositivo do Estatuto do Estrangeiro contraria o princípio da isonomia, ao dar tratamento discriminatório a filhos havidos antes e após o fato motivador da expulsão. Segundo ele, os prejuízos para a criança independem de sua data de nascimento ou adoção, muito menos do marco aleatório representado pela prática da conduta motivadora da expulsão.
Interesse da criança
O julgamento foi retomado hoje com o voto vista do ministro Gilmar Mendes, que acompanhou o relator no entendimento de que o decreto de expulsão é incompatível com a ordem constitucional atual, que consagra a preservação do núcleo familiar e o interesse afetivo e financeiro da criança. O ministro destacou que a Lei de Migração (Lei 13.445/2017), que revogou inteiramente o Estatuto do Estrangeiro, proíbe expressamente a expulsão quando a pessoa tiver filho brasileiro sob sua guarda ou dependência econômica ou socioafetiva, independentemente da data de nascimento ou adoção.
Em seu voto, o ministro Celso de Mello afirmou que o cidadão tanzaniano tem direito à permanência no Brasil, pois comprovou a existência de uma filha brasileira, hoje com quase 13 anos, dependente da economia paterna e com quem mantém vínculo de convivência socioafetiva, o que impede, segundo a Lei de Migração, sua expulsão. Último a votar, o ministro Dias Toffoli também acompanhou o relator.
Tese
Apesar da revogação do Estatuto do Estrangeiro, o ministro Marco Aurélio observou que é necessária a formulação de tese de repercussão geral para abranger os casos residuais (pelo menos oito) que estão sobrestados aguardando a conclusão do julgamento do RE 608898.
A tese fixada foi a seguinte: “O § 1º do artigo 75 da Lei nº 6.815/1980 não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, sendo vedada a expulsão de estrangeiro cujo filho brasileiro foi reconhecido ou adotado posteriormente ao fato ensejador do ato expulsório, uma vez comprovado estar a criança sob guarda do estrangeiro e deste depender economicamente”.