Chegamos a mais uma eleição e, com ela, uma das maiores operações logísticas do país está prestes a ser iniciada pela Justiça Eleitoral. Para garantir que as urnas eletrônicas atendam, em outubro deste ano, a um eleitorado de mais de 154 milhões de pessoas distribuídas em 8,5 milhões de quilômetros quadrados de extensão do território brasileiro, os tribunais regionais eleitorais (TREs) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) vão começar, em breve, a distribuir esses equipamentos.
Confira como todo esse processo acontece em mais uma reportagem da série “Como nasce uma urna”, que mostra tudo o que envolve a produção e o funcionamento das nossas máquinas de votação.
Armazenamento e conservação: boas práticas para bons resultados
A Justiça Eleitoral possui cerca de 570 mil urnas eletrônicas armazenadas nos TREs e no TSE. Existem aproximadamente 4,4 mil locais de armazenamento distribuídos nas 26 unidades da Federação e no Distrito Federal. Via de regra, esses locais devem ser climatizados, e as urnas devem ser mantidas sobre estruturas de madeira. Porém, a urna e seus componentes podem suportar condições adversas, como temperaturas de até 45 ºC e ambientes com 90% de umidade.
Essa alta resistência é uma característica fundamental do equipamento, já que as condições climáticas variam amplamente dentro do país. No Maranhão, por exemplo, a temperatura média pode alcançar os 30 ºC e até chegar a valores mais altos. Por isso, o Tribunal Regional Eleitoral do estado (TRE-MA) está trabalhando para garantir as melhores condições de armazenamento.
“O projeto é que até o início do segundo semestre, a central de armazenamento própria do TRE esteja totalmente climatizada. Sabemos que é uma forma de preservar ainda mais e aumentar a durabilidade da urna e de seus componentes”, explica Wagner Sales, coordenador de urnas e sistemas eleitorais do TRE-MA.
Em outras unidades da Federação, caso o Regional não consiga acomodar todas as máquinas em uma estrutura própria, pode ser mais conveniente mantê-las em diferentes lugares. Esse modelo de armazenamento é conhecido como “descentralizado” e compreende opções como depósitos (ou polos), ou os próprios cartórios eleitorais.
Já no edifício-sede do TSE, em Brasília, são mantidas aproximadamente 15 mil urnas em um depósito com 2,5 mil metros quadrados, com possibilidade de triplicar sua capacidade. O contingente compõe o que é chamado de “reserva técnica”, constituída de urnas que podem ser usadas para substituir outras em casos especiais, como sinistros em locais de armazenamento e outros imprevistos nos TREs.
Além disso, para assegurar o ciclo de vida completo da urna, são necessários cuidados para que o funcionamento não seja afetado por choques, quedas ou outras condições externas. As urnas são mantidas em embalagens de papelão e espuma para revestimento e acolchoamento da caixa em que ficam acomodados os dispositivos.
Durante o período em que ficam armazenadas, as urnas eletrônicas têm suas baterias carregadas (a cada quatro meses por, no mínimo, seis horas) e seus componentes passam por vários testes (teclado, impressora, som, etc). Essas avaliações são repetidas à medida que esses equipamentos saem das centrais de armazenamento em direção às zonais eleitorais e, posteriormente, aos locais de votação.
Em Mato Grosso, entre uma eleição e outra, as urnas ficam guardadas na sede do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-MT). Nesse período, servidoras e servidores da Justiça Eleitoral realizam testes exaustivos nos equipamentos, verificando todos os componentes e o software. Eles também são submetidos a simulações de hardware, para averiguação de possíveis falhas, que, caso detectadas, são corrigidas a tempo das eleições, sem quaisquer prejuízos.
Carga valiosa: como as urnas chegam ao eleitor
Ao participar de uma eleição, você já parou para pensar em como a urna eletrônica chegou ao local de votação? Como todos aqueles equipamentos foram levados às respectivas seções eleitorais, espalhadas de norte a sul do país? A distribuição das urnas eletrônicas pelos locais de votação pode variar de acordo com conveniências e características únicas de cada TRE e zona eleitoral.
Alguns tribunais fazem a entrega dos aparelhos aos presidentes de mesa, que se encarregam da guarda e da montagem das seções eleitorais. Outros fazem o transporte das urnas por rotas. Em locais mais distantes e de difícil acesso, o deslocamento das urnas pode ser feito por helicópteros, aviões e barcos, podendo contar ainda com o auxílio das Forças Armadas.
Wagner Sales relata que, no Maranhão, há pelo menos 70 localidades de difícil acesso, com povoados a mais de 300 quilômetros da sede da zona eleitoral, um percurso que, por via terrestre, pode levar mais de quatro horas para ser percorrido. Para se chegar a esses lugares, todos os recursos são necessários. “A gente tem vários locais de votação instalados em ilhas oceânicas, onde o grau de dificuldade para fazer a distribuição é elevado”, conta Sales.
Nessas circunstâncias, algumas precauções precisam ser tomadas. “Uma orientação que a gente passa aos chefes de cartório é que, ao receber essas urnas, repitam os testes para que sejam verificados todos os seus componentes, a fim de averiguar se houve alguma avaria durante esse transporte, pois, assim, teremos condições de providenciar manutenção, caso necessário”, explica o servidor.
O coordenador acrescenta que, para esses locais, o percentual reservado de urnas de contingência (ou seja, habilitadas para substituir outras em caso de problemas técnicos) é, por precaução, um pouco maior, podendo chegar, em média, a 30%. Na prática, essa reserva quase não é utilizada, pois, devido à qualidade do equipamento, dos testes e das manutenções realizadas, o número de urnas substituídas é pequeno. Nas Eleições Gerais de 2022, apenas 1,2% das 16.423 urnas carregadas no estado do Maranhão (em valor absoluto, 197 urnas) foram substituídas durante o segundo turno. No primeiro turno, o percentual de substituições foi de 2,4% (397 urnas).
Ao final da eleição, as mídias de resultado são recolhidas e enviadas para pontos de transmissão, que é de onde os dados são transmitidos para os tribunais regionais. É importante lembrar que todo esse processo ocorre por meio de um túnel VPN, que se conecta apenas com a rede própria da Justiça Eleitoral. Totalizados os resultados, as urnas retornam aos seus respectivos depósitos, e seus arquivos de dados devem ser preservados pela zona eleitoral, ficando à disposição de entidades fiscalizadoras por até 100 dias, contados a partir do primeiro turno das eleições (artigo 48, Resolução TSE nº 23.673).
Logística no exterior
Em situações nas quais cidadãs e cidadãos brasileiros residentes no exterior, maiores de 18 anos, também devem votar (eleição para o cargo de presidente da República), o transporte das urnas para diferentes países é essencial. Em 2022, foram instaladas 2.173 seções eleitorais em 181 cidades no exterior.
Esse translado é feito por meio aéreo, por malas diplomáticas remetidas pelo Ministério das Relações Exteriores, por empresa contratada pelo Itamaraty. A lacração dos equipamentos acontece ainda no Brasil, no galpão das urnas do Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal (TRE-DF), onde são concentrados esforços para acomodar adequadamente todo o material eleitoral nas caixas plásticas que vão dentro dos malotes.
Após as eleições, as urnas voltam ao Brasil nas mesmas malas diplomáticas em que foram enviadas para o exterior. O Itamaraty as recebe e as entrega ao TRE-DF, que confere e testa todas as urnas recebidas. Após esse procedimento, os equipamentos voltam a ser armazenados até a próxima eleição.
Memórias de uma missão
Everson Santos trabalha para a Justiça Eleitoral há 28 anos. Atualmente, faz parte da Secretaria Judiciária do TSE, mas já compôs equipes de trabalho que acompanhavam a produção e a distribuição das urnas em diversos estados. “Era nessas viagens que fazíamos a auditoria de teste das urnas no final da linha de produção e, após aprovação, elas eram colocadas em caminhões para serem entregues aos tribunais regionais eleitorais”, relata Santos.
O servidor conta que, em uma dessas viagens, no ano 2000, foi designado para ajudar no transporte das urnas que seriam utilizadas na aldeia indígena Maloca da Bala, em Roraima (RR). Everson e um colega de trabalho voaram de helicóptero até o município de Pacaraima, onde pegaram as urnas que seriam utilizadas no pleito. De lá, seguiram para a aldeia onde a comunidade indígena e o Exército, responsável pela segurança, aguardavam a chegada dos equipamentos. Levaram as urnas até o responsável pela carga e, ao terminar o serviço, perceberam que foram deixados para trás pelo piloto, que havia entendido que os servidores ficariam na aldeia até o dia da eleição.
“Não havia mais nada a fazer. Com o apoio do Exército, nos acomodamos na comunidade indígena. Ficamos do dia 1º até 3 de outubro (dia da eleição) com a mesma roupa, tomando banho no igarapé, vivendo como os locais, mas sem o devido aparato”, relembra o servidor.
No dia do pleito, Everson auxiliou na montagem da seção eleitoral e testemunhou o que, para ele, foi um “dia histórico em que a democracia se concretizou em uma pequenina comunidade”.
Como renasce uma urna: aparelhos descartados se transformam em novos produtos
Depois de todo o serviço prestado, as urnas eletrônicas retornam aos depósitos, onde são guardadas com segurança e onde é feita a manutenção periódica para que os equipamentos possam ser utilizados nos próximos pleitos. Transcorrido o tempo de vida útil das urnas – que é de cerca de 10 anos (ou seis eleições), o descarte é feito de forma ecologicamente correta, alinhado aos objetivos de gestão e sustentabilidade da Justiça Eleitoral.
Esse descarte ocorre por meio de uma empresa de reciclagem terceirizada, que se compromete a desmontar, separar e triturar todo o material do início ao fim, seguindo as regras firmadas em contrato. Exige-se, pelo menos, 95% de reaproveitamento, mas já foi possível atingir 98%. O que não pode ser reciclado vai para aterros sanitários apropriados para cada tipo de material. O destino das baterias deve seguir as regras estabelecidas pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que normatiza a gestão de resíduos e produtos perigosos.
Alguns desses resíduos recebem destinações que, para muitos, seriam impensáveis. Cabos de energia que ligam o terminal do eleitor ao do mesário, por exemplo, já viraram sola de sapato após o processo de reciclagem. Espumas plásticas que compõem parte da embalagem da urna viraram enchimento para pufes produzidos e vendidos por cooperativas. Materiais de borracha, que, em geral, ficam na superfície da urna, já foram doados a uma cooperativa, que conseguiu utilizá-los na fabricação de sandálias femininas. É assim que a urna renasce e segue fazendo parte da vida de muitas brasileiras e de muitos brasileiros.