O juiz Edilson Chaves de Freitas, da 1ª Vara de Pau dos Ferros, atendeu pedido do Ministério Público Estadual e decretou intervenção judicial na Associação Beneficente Nossa Senhora da Conceição (ABENÇÃO), pelo prazo de 180 dias, prorrogável por igual período, por meio da nomeação de uma Junta Interventora. Ela deverá adotar todas as medidas administrativas necessárias para fins de regularizar as pendências e irregularidades das contas perante o Ministério da Saúde, a fim de sanar as irregularidades mencionadas na Portaria GM/MS Nº 1.279, de 27 de maio de 2022. A diretoria foi afastada pelo tempo em que durar a intervenção.
O caso
Em outubro de 2015, por meio de termo de parceria com o Município de Pau dos Ferros, a entidade sem fins lucrativos passou a ofertar reabilitação física e intelectual a pessoas com deficiência, gerindo o Centro Especializado em Reabilitação (CER) local. A partir de dezembro de 2020, a ABENÇÃO se habilitou junto ao Ministério da Saúde como um CER tipo IV, disponibilizando reabilitação física, intelectual, auditiva e visual.
De acordo com informações da Secretaria de Saúde prestadas ao MP, o CER de Pau dos Ferros é referência para o atendimento de pessoas com deficiência de toda a VI Região de Saúde, a qual é composta por 37 municípios potiguares e possui o maior percentual de pessoas com deficiência no RN (31,21%), bem como o maior índice de pessoas com doenças raras.
Além disso, junto ao CER IV está habilitada a Oficina Ortopédica, a única em funcionamento no RN. O local fornece órteses, próteses e meios auxiliares de locomoção (OPM) para toda a região de saúde e oferta curso oficial de protesista e ortesista, reconhecido pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) e padronizado pela Fiocruz.
Porém, o termo de parceria celebrado com o Município de Pau dos Ferros se encerrou em dezembro de 2021. Com o término do prazo, o Município decidiu pela não renovação da contratualização com a ABENÇÃO para funcionamento do serviço de CER IV e da Oficina Ortopédica, bem como solicitou ao Ministério da Saúde a desabilitação dos serviços prestados pela Associação e a habilitação de um CER II.
Segundo aponta o MP, o Município suspendeu o serviço sob a alegação de que pretendia habilitar um CER tipo II, totalmente público, junto ao Ministério da Saúde. O órgão ministerial indicou o comportamento inadequado do Município ao suspender um serviço já em funcionamento sem determinar em qual prazo o serviço pretendido entraria em funcionamento, já que demanda, além do prédio, equipamentos, insumos e recursos humanos, além da nova habilitação junto ao Ministério da Saúde.
Outro motivo alegado pelo Município para não renovação, segundo o Ministério Público, seria que a entidade teria apresentado um relatório técnico de prestação de contas e o seu balanço patrimonial, referente ao exercício de 2021, o qual foi reprovado tendo por base parecer da Controladoria Geral do Município, o qual apontou como irregularidades o não cumprimento das metas estabelecidas no Plano Operativo Assistencial (POA) e ausência de documentos que possibilitem a efetiva prestação de contas.
Decisão
Ao analisar o caso, o juiz Edilson Chaves de Freitas destaca que o Município de Pau dos Ferros informou ter repassado à ABENÇÃO em 2021 o valor de R$ 5,125 milhões. Segundo o ente municipal, para prestar as contas dos recursos recebidos, a associação encaminhou apenas o “Ofício nº 30/2022 de 15/03/2022, relatório técnico de prestação de contas de 2 laudas, listagem de profissionais do CNES que sequer consta o valor de pagamento, a produção ambulatorial de procedimentos de tabela unificada e o balanço patrimonial encerrado em 31/12/2021”.
Para o magistrado, “a Associação recebe cifras milionárias para prestação do serviço de saúde. São recursos públicos. Como consequência, deve dar transparência aos órgãos de controle e à população em geral de como estão sendo aplicados todo esse volume de recurso, centavo por centavo”. E entendeu que a Associação não prestou as contas dos recursos recebidos na forma devida.
Ele indicou ainda que durante audiência de conciliação realizada, o Ministério Público foi categórico em afirmar que a Associação não apresentou a documentação necessária para comprovação da aplicação das receitas recebidas, já que não há discriminação das despesas executadas.
Medidas
A Junta Interventora terá como obrigações proceder levantamento da situação administrativa, financeira e patrimonial da entidade, a fim de verificar a regularidade da aplicação dos recursos recebidos pela associação, entregando relatório circunstanciado ao Juízo no prazo de até 60 dias.
Deverá também assegurar a manutenção dos serviços inerentes ao CER IV e a Oficina Ortopédica, conforme preconizado pela Política Nacional de Atenção à Saúde da Pessoa com Deficiência e estabelecido no âmbito da Rede de Cuidado integral à Saúde da Pessoa com Deficiência, além de assegurar a mais eficaz e adequada aplicação dos recursos públicos sanitários que são canalizados para o serviço, enviando relatório circunstanciado ao Juízo a cada 30 dias das atividades de gestão desenvolvidas.
No prazo de 60 dias, a Junta deverá apresentar pedido de reconsideração quanto à prestação de contas ao Município de Pau dos Ferros, provando que todas as não conformidades indicadas nos Pareceres da Auditoria e da Controladoria foram sanadas.
Já o Município de Pau dos Ferros e o Estado do Rio Grande do Norte deverão ofertar à Junta Interventora todas as informações necessárias, inseridas nos bancos de dados do Ministério da Saúde e da Secretaria Estadual e Municipal de Saúde para o bom desempenho da equipe gestora.
Os entes públicos devem retomar e manter regular o repasse dos recursos financeiros enviados pelo Ministério da Saúde para custeio do serviço, bem como aqueles referentes a produção apresentada pelo serviço no sistema de BPA-I, inclusive recursos retroativos já depositados no Fundo Estadual e Municipal de Saúde.
Foi determinado ainda que retome a regulação dos atendimentos em reabilitação para o CER IV e Oficina Ortopédica, até que seja renovada a contratualização do serviço, ou até que seja implantado um serviço de saúde equivalente no município;
No prazo de 30 dias, deverá apresentar proposta de solução definitiva para a oferta de um serviço de reabilitação nos moldes de um Centro Especializado em Reabilitação – CER IV, em seu território, e de uma Oficina Ortopédica, sem perdas para a população assistida.