O Pleno do Tribunal de Justiça do RN, por maioria de votos, julgou procedente uma Ação Direta de Inconstitucionalidade movida pelo Ministério Público Estadual e declarou inconstitucionais trechos da Lei Complementar Estadual nº 571, de 31 de maio de 2016, por autorizarem o enquadramento de servidores de outros órgãos aos quadros do Instituto Técnico-Científico de Perícia (ITEP) fora das hipóteses legais, em desacordo com o artigo 26, II, da Constituição Estadual. Foram declarados inconstitucionais, com efeitos retroativos, o artigo 51, caput e § 3º, do artigo 55, incisos I a IV e § 1º, e o artigo 75 da referida Lei Complementar.
O julgamento ressaltou que devem ser preservados, de forma excepcional, todos os atos de aposentadoria e as situações em que o servidor implementou os requisitos para aposentação até a data da publicação da ata de julgamento.
O caso
O Ministério Público Estadual argumentou que os artigos questionados, ao possibilitarem a absorção dos servidores, inclusive cedidos, criando para tanto um quadro suplementar com finalidade específica, violam a regra do artigo 26, II, da Constituição Estadual, “visto que possibilitam o ingresso de pessoas que prestaram concurso para cargos completamente estranhos nos quadros do citado órgão”.
Aponta que o artigo 51, caput, enseja o uso de interpretação que permita o enquadramento de servidor efetivo em cargo de nível de escolaridade ou tipo de curso superior diverso daquele para o qual foi regularmente investido.
Ressalta que analisando o tema, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula 685 e, posteriormente, ratificou o entendimento por meio do enunciado da Súmula Vinculante 43, ambas no sentido da impossibilidade de uso de modalidades de provimento derivado que importem na burla da regra do concurso público.
Por seu turno, o Estado do Rio Grande do Norte argumentou que não é ilegal o reenquadramento de servidor quando este for efetivado no órgão em que irá ocorrer a recolocação e quando este ingressa regularmente no serviço público e houver similitude de atribuições nos cargos. Alegou ainda que a Lei impugnada é o primeiro diploma a estabelecer o quadro de servidores do ITEP, tendo esta respeitado as atribuições anteriores dos servidores integrantes do grupo ocupacional.
Voto
Ao analisar o caso, o relator, desembargador João Rebouças, comparou as disposições da Lei Complementar Estadual nº 571/2016 com a Constituição Federal e entendeu que a norma estadual confronta a Carta Magna. O magistrado fez referência ainda à Súmula Vinculante 43 do STF, a qual disciplina que “é inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido”.
O relator ressalta que o Supremo Tribunal Federal, com base nesse entendimento, tem reiteradamente declarado inconstitucionais todas as previsões legais de transposição, reenquadramento, ascensão e acesso, ou outras nomenclaturas de atos modificadores da situação funcional de servidores, que permitam a ocupação de cargo público efetivo por pessoa integrante de quadro de carreira distinta.
Aponta ainda que mencionado entendimento apenas é excepcionado, segundo o próprio STF, no caso de extinção do órgão de origem do servidor, estando condicionado o aproveitamento destes ao preenchimento dos seguintes requisitos: 1) identidade substancial entre os cargos de origem e o de destino; 2) compatibilidade funcional; 3) similitude remuneratória; e 4) equivalência dos requisitos exigidos em concurso público.
“Inicialmente, não tratando o caso concreto da hipótese de extinção dos órgãos de origem dos servidores beneficiados pela Lei 571/016, não se vê como excetuar, por essa vertente, a regra contida no art, 26. II, da Carta Estadual, tendo em conta inclusive a ausência de comprovação de que os requisitos preestabelecidos pelo STF se fizeram presentes”, afirma o desembargador João Rebouças.
Sobre a alegação do Estado de que a Lei Complementar não ofende a Súmula Vinculante 43 por se tratar de redistribuição de servidores, o magistrado também refutou o argumento. “De fato, existem duas formas de provimento de cargos públicos: o provimento originário (que se materializa com a nomeação, posse e exercício para preenchimento de cargo), e o provimento derivado, que decorre de um ato de promoção, readaptação, reversão, reintegração ou de aproveitamento. A redistribuição, tal como a remoção do servidor, não são formas de provimento derivado, posto que, nas duas, o servidor é deslocado do cargo mas continua titularizado neste. Ou seja, em tal fenômeno não ocorre a mudança do cargo originário do servidor redistribuído”.
João Rebouças aponta que no caso concreto, verifica-se que os cargos atingidos passaram a integrar o Grupo Operacional IV do citado diploma, “o que evidencia que os servidores não mais continuaram titularizados em seus cargos de origem (para os quais prestaram concurso público), desnaturando, com isso, o instituto da redistribuição”. Ele exemplifica que um servidor ocupante do cargo de Técnico Necrotomista passou a ser enquadrado no cargo de Auxiliar Técnico Administrativo com base no artigo 51, caput e parágrafo 3°, e artigo 55, IV, o que demonstra a alteração do cargo para o qual prestou concurso.
“Com efeito, o caso concreto revela que a norma impugnada, ao permitir que servidores originários de outros órgãos sejam incorporados, por meio de novo enquadramento, aos quadros do ITEP/RN, fora das hipóteses legais, viola a regra do art. 26, II, por incontestável transgressão à regra do concurso público, devendo ser declarada inconstitucional”, definiu o relator, desembargador João Rebouças, sendo acompanhado pela maioria dos integrantes do Pleno do TJRN.