A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou nesta terça-feira (20) o julgamento da Ação Originária (AO) 2093, por meio do qual sete condenados por envolvimento em esquema de superfaturamento na compra livros pelo Departamento Estadual de Trânsito do Rio Grande do Norte (Detran-RN) recorrem da sentença aplicada pela Justiça Estadual. Na sessão de hoje, votaram a relatora, ministra Carmen Lúcia, e o revisor, ministro Edson Fachin.
De acordo com os autos, em 2002, o Detran-RN contratou a empresa Elias Avelino dos Santos para a aquisição de 32.108 livros de educação para o trânsito, a serem fornecidos por uma editora. Ficou comprovado que a autarquia estadual pagou R$ 28 por exemplar, quando o preço unitário era de R$ 7,50, e , mesmo pagando por 32 mil livros, só recebeu 14.684. O valor superfaturado foi dividido entre os integrantes do esquema. O prejuízo causado ao erário, em valores da época, foi de aproximadamente R$ 800 mil. Os envolvidos foram condenados pelos crimes de peculato, falsificação de documento e dispensa ilegal de licitação.
Ligados à autarquia estadual na época dos fatos, foram condenados Valter Sandi, diretor-geral do Detran-RN; Rogério Jussier Ramalho, coordenador de Educação para o Trânsito; Welbert Marinho, procurador-geral da autarquia; Antônio Patriota de Aguiar, coordenador administrativo; e Joumar Batista da Câmara, coordenador financeiro. Também foram condenados Jaelson de Lima e Sérgio Roberto de Andrade Rebouças, que participaram da intermediação da compra. Elias Avelino dos Santos, por sua vez, recebeu perdão judicial em razão de sua colaboração para a elucidação dos fatos.
A apelação chegou ao Supremo porque mais da metade da composição do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte se deu por impedida ou suspeita de atuar no processo (artigo 102, inciso I, alínea “n”, Constituição Federal). As defesas alegam que as acusações e as condenações tiveram por base apenas as declarações do colaborador. A Procuradoria-Geral da República (PGR) se manifestou pelo não provimento das apelações.
Provas
Ao analisar o mérito dos pedidos, a relatora afirmou que, ao contrário do alegado pelas defesas, há nos autos provas documentais, interceptações telefônicas e depoimentos de testemunhas que corroboram as declarações do colaborador premiado, “a complementar o mosaico probatório e dar ao julgador certeza sobre a materialidade e a autoria dos fatos imputados aos réus”. Entre as provas, estão documentos assinados por servidores do Detran-RN que autorizaram a aquisição dos livros e descrição de conversas que comprovam que os acusados tinham ciência de que estavam praticando conduta delitiva. Também está comprovada, por meio de extratos bancários, a divisão do produto do crime entre os condenados, e a falsificação de documento público foi confirmada por laudo pericial.
Também ficaram comprovados, segundo a ministra, a materialidade e a autoria do crime de dispensa indevida de licitação. De acordo com a sentença, tanto o diretor-geral quanto os demais servidores da autarquia concorreram para o crime ao atestarem que apenas o livro da editora contratada seria compatível com o programa de educação do Detran-RN e dispensarem a realização de pesquisa mercadológica, com a intenção de possibilitar o superfaturamento. “Analisados os elementos do tipo penal, é possível afirmar em juízo de certeza que, deliberadamente, não foram observadas as formalidades previstas em lei para se ter como inexigível as licitações, concluindo-se então pela tipicidade da conduta dos recorrentes”, afirmou.
A relatora ressaltou que o juiz de primeiro grau descreveu detalhadamente a participação de cada condenado na empreitada delituosa. “O acervo probatório, produzido sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, apresenta elementos de convicção suficientes para a formação de juízo de certeza sobre a materialidade delitiva e a autoria dos recorrentes”, afirmou.
A relatora votou para dar parcial provimento às apelações das defesas apenas para retirar a majorante prevista no parágrafo 2º do artigo 327 do Código Penal em relação a Joumar Batista, Rogério Jussier, Valter Sandir e Welbert Accioly. A majorante prevê aumento de pena quando os autores dos crimes forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação. O Detran, conforme explicou a ministra, é autarquia pertencente à administração pública indireta e não se encontra no rol previsto no dispositivo legal.
Penas
Em seu voto, as penas definitivas relativas ao crime de peculato ficaram fixadas nos seguintes patamares: quatro anos e seis meses de reclusão e 70 dias-multa para Joumar; seis anos de reclusão e 85 dias-multa para Rogério Jussier; cinco anos de reclusão e 80 dias-multa para Valter Sandi; e cinco anos e seis meses de reclusão e 85 dias-multa para Welbert.
Em relação a Antônio Patriota de Aguiar, a ministra votou pelo provimento parcial à apelação para reconhecer como a culposa a conduta de peculato, ao verificar que ele não se beneficiou de qualquer vantagem indevida, e a atipicidade do crime de inexigibilidade ilegal de licitação, em razão da inexistência da conduta na modalidade culposa. Diante do novo enquadramento dado ao delito de peculato, a ministra declarou extinta a punibilidade em decorrência da prescrição. As condenações de Sérgio Rebouças e Jaelson de Lima foram integralmente mantidas.
O revisor da ação, ministro Edson Fachin, acompanhou integralmente o voto da relatora. Após os dois votos, o julgamento foi suspenso.
Fonte: STF