A 2ª Câmara Cível do TJRN decidiu de forma unânime, ao julgar apelação cível, pelo reconhecimento de que o patrimônio adquirido por entidades privadas, mas com recursos públicos, seja considerado de propriedade do Estado. A decisão é oriunda da apreciação de recurso interposto pelo Hospital Padre João Maria e a Maternidade Ananília Regina, situados em Currais Novos. A decisão confirma entendimento de primeira instância, proferido na sentença do juiz Marcus Vinícius Pereira Júnior, da Vara Cível daquela comarca.
A decisão de segundo grau destaca que “advindo a necessidade de comprovar a origem do patrimônio integrante da pessoa jurídica, os requeridos não cuidaram de demonstrar minimamente a titularidade, por meio de documentos como notas fiscais, o que motivou o ajuizamento da ação para evitar o uso irregular de recursos públicos com destinação específica, sendo esses aplicados na entidade privada e não na fundação”, ressalta o voto da relatora.
Com a realização de diligências preliminares e após realização de audiência, o Ministério Público verificou tratar-se de Associação e não de Fundação, no que requisitou inventário do acervo patrimonial da instituição, havendo a informação de que não existiam bens em nome da pessoa jurídica. (Ofício nº 3003/2013-GS/SESAP).
Evolução dos contratos
Em seu voto, a desembargadora Zeneide Bezerra analisou a questão, reconstituindo a evolução dos contratos entre o Estado e as entidades de saúde. De acordo com os autos, em 14 de setembro de 1978, o Estado do Rio Grande do Norte e a Sociedade Civil “Hospital Padre João Maria e Maternidade Ananília Regina” celebraram contrato de concessão não remunerada de uso de área abrangida pela atuação da Secretaria Estadual da Saúde, pelo prazo inicial de quatro anos, e mediante contribuição mensal de CR$ 30.000,00 (trinta mil cruzeiros), valores em moeda da época. Posteriormente, novos pactos foram firmados, a exemplo do ajustado em 18 de janeiro de 1983.
Assim como a anterior, esta avença concedeu ao Hospital Padre João Maria e a Maternidade Ananília Regina a administração da área abrangida pela atuação da Secretaria da Saúde, com recursos previamente definidos (cláusula quarta) e até que a avença fosse rescindida, quando, então, o imóvel deveria ser restituído ao Estado “com todos os seus equipamentos, instalações, utensílios e demais acessórios” (cláusula sexta). Mais uma vez, em 01 de julho de 1998, novo pacto foi realizado, agora com o aumento de aportes públicos para R$ 8 milhões.
1º Grau
Ao apreciar o caso, no primeiro grau, o juiz da Vara Cível da Comarca de Currais Novos, julgou procedente a pretensão exordial e declarou que os bens e veículos que compõem o acervo patrimonial do Hospital Padre João Maria e da Maternidade Ananília Regina pertencem ao Estado do Rio Grande do Norte, por terem sido adquiridos com recursos públicos.
Inconformados, os réus protocolaram apelação cível e alegaram, em seu arrazoado que a sentença deixou de apreciar as teses de ilegitimidade ativa ad causam do Ministério Público e de impossibilidade jurídica do pedido, não havendo óbice, todavia, ao exame das matérias nessa instância, por serem de ordem pública.
Quanto ao mérito da questão, os réus sustentaram possuir documentos (notas fiscais acostadas à contestação e relação dos respectivos tombamentos) que comprovam que a maioria dos equipamentos administrativos e hospitalares, além de lhes pertencer, foram adquiridos de boa-fé e apenas ficaram sob a guarda do Hospital Regional Doutor Mariano Coelho.
Requereram a reforma da sentença, com a devolução de todos os bens que sustentam ser de suas propriedades e, subsidiariamente, pleitearam indenização pelo Estado, com avaliação a ser realizada em liquidação de sentença. O juiz Marcus Vinícius observa que em várias situações as instituições privadas usam recursos públicos, para atender interesses privados, gerando grande prejuízo para saúde. No caso do julgamento em 1º grau, mantido no TJRN, restou provado que a instituição privada recebeu mais de R$ 25 milhoes, até 2013. “Todos os bens adquiridos, de acordo com o julgado, passaram a ser de propriedade pública, eis que adquiridos com recursos públicos”, ressalta o julgador.