Coluna semanal, por Kennedy Diógenes.
Os fios do tempo.
Um fio de indignação ligou o joelho do policial americano aos joelhos dos sul-coreanos, que interromperam o trânsito e se prostraram nos asfaltos de Seul, somando-se à onda revolucionária que arrebatou Londres, Paris, Munique, Berlin, dentre outras metrópoles do mundo.
Outro fio de vida seguiu Floyd de Fayetteville, na Carolina do Norte, a Minneapolis, em Minnesota, ligando o berço dos Estados Confederados ao primeiro Estado que ofereceu tropas à União, na guerra fratricida que libertou os Estados Unidos das escaras étnicas abertas pela escravidão.
Sobre a escravidão, singrou os mares o fio de erros que acompanhou as naus vindas da África, carregadas de seres humanos acorrentados, vilipendiados pela ganância e arrogância das colônias de um mundo que deveria ser novo.
Este é o mesmo fio do preconceito que produziu a Ku Klux Klan, o apartheid e os guetos raciais em todos os rincões, que foram combatidos por gente como Zumbi dos Palmares, Panteras Negras, Martin Luther King e Mandela, em incontáveis lutas por igualdade, independentemente de cor, origem ou credo.
Assim, dos joelhos que matam aos joelhos que reverenciam, os fios que ligam nascimento e morte também unem intenções e ações em todo o planeta para por fim a uma das maiores chagas humanas, que é o racismo.
Por ironia, o fio de luta contra a doença do racismo se emaranhou ao do enfrentamento à doença causada pelo coronavírus, onde, em ambos os casos, há pessoas que clamam às autoridades por ar, para que os deixem respirar.
Neste novelo do tempo, fios ligam os fatos e tramam a experiência humana em cores fortes, numa enorme colcha de retalhos, muitas vezes, desarmônicos, formando a história, que é julgada em retrospectiva, geralmente de forma fria e racional.
Entretanto, o mundo atual impõe o desafio de viver este momento em perspectiva, mesmo turbado por versões contraditórias e sentimentos ambíguos, tendo, como única bússola, os valores que pulsam nos corações dos homens e mulheres de bem.
Sem propósito, os fios do destino transformam pretextos razoáveis em abusos inomináveis. De um átimo a outro, a manutenção da ordem vira tirania; a coragem e honra transformam-se em sadismo e perversão; e a busca por prosperidade torna-se exploração predatória e inconsequente.
Por isso, nestes dias de incerteza, é preciso tecer o fio da esperança, tendo, como arremate, a liberdade e a igualdade, tornando-se estes os fios condutores a nortear as ações humanas, à guisa dos fios luminosos dos faróis que guiam os barcos ao porto seguro.