A 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do RN julgou procedente uma Apelação Cível movida por um casal que buscava o reconhecimento civil ao casamento religioso por eles celebrado, após o cartório ter se negado a fazê-lo e a emitir a certidão de casamento por constatar que a igreja onde aconteceu o ato estava com situação cadastral inapta perante a Receita Federal.
O órgão julgador modificou sentença da 21ª Vara Cível de Natal, destacando que o casamento religioso tem efeito civil, conforme a Constituição Federal, e que a lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento. Assim, é “dever constitucional do Estado proteger, reconhecer e facilitar o casamento entre homem e mulher, dever esse a ser cumprido fielmente pelo Poder Judiciário”.
O caso
O casal relatou que procurou o 4º Oficio de Notas de Natal para se casarem, sendo o matrimônio realizado por meio de cerimônia religiosa com efeito civil. Os proclamas necessários foram publicados no dia 2 de outubro de 2018, sendo habilitados para realizar o casamento em novembro de 2018. A cerimônia foi realizada no dia 10 de novembro.
Narraram que no mês de dezembro daquele ano, foram ao cartório entregar a certidão de casamento religioso para os efeitos civis, quando foram surpreendidos com a informação de que nem a cerimônia do casamento e nem o documento apresentado tinham efeitos civis, pois a igreja evangélica onde foi realizada a cerimônia estava com a situação cadastral inapta perante a Receita Federal, desde o dia 7 de novembro de 2018. De acordo com o cartório, essa situação era suficiente para a anulação do casamento. A Igreja evangélica regularizou a sua situação cadastral em 13 de fevereiro de 2019.
Ao recorrem ao TJRN, ressaltaram que preencheram os requisitos necessários para o reconhecimento do casamento religioso para efeitos civis, sendo plenamente capazes para a vida civil, solteiros e sem impedimento legal para a realização do casamento.
Voto
O Juízo de 1º Grau referiu-se ao artigo 1.550, VI, do Código Civil, o qual prevê a hipótese de anulabilidade do casamento quando é realizado por autoridade incompetente, para indeferir o pedido de registro de casamento. “Entendo que não ser possível o reconhecimento e registro do casamento em discussão, uma vez que na data do casamento, a igreja estava irregular”.
Contudo, para o relator da Apelação, a vontade das partes em contrair matrimônio e constituir uma família supera a anulabilidade descrita no Código Civil. “O prejuízo maior seria o não reconhecimento civil do casamento religioso dos apelantes que, de boa-fé e sem qualquer impedimento legal, seguiram todos os ditames necessários ao reconhecimento do casamento”.
O relator entendeu ainda que a inaptidão da igreja evangélica perante a Receita Federal foi temporária e aparentemente motivada apenas por razões fiscais, sem qualquer relação ou vinculação com a sua finalidade. “A isso, acrescente-se que a reabilitação posterior da igreja autoriza a convalidação de eventual anulabilidade de casamento, sendo o registro deste a manifesta vontade dos nubentes”, ressalta o voto, acompanhado à unanimidade pela 3ª Câmara Cível.
“Embora o estado seja laico, a religião e os costumes religiosos estão profundamente enraizados na sociedade brasileira e essa realidade não passou despercebida pela Constituição Federal. O direito é constituir família é de natureza constitucional. A Constituição Federal protege a família e estimula o casamento, sendo esse também um dever do Poder Judiciário. Pela Constituição, a família deve receber especial proteção do Estado, e a formalização do casamento, tendo a liturgia religiosa como ponto de partida e o registro civil como ápice do enlace matrimonial, é uma forma de proteger seus integrantes”, destaca o relator do recurso.
(Processo nº 0817451-44.2019.8.20.5001)