Por unanimidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que é possível reconhecer a ocorrência de falta grave no curso da execução penal, independentemente do trânsito em julgado da condenação criminal por fato definido como crime doloso. A fixação da tese se deu no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 776823, com repercussão geral reconhecida (Tema 758), na sessão virtual finalizada em 4/12.
Falta grave
O caso concreto envolve um condenado por roubo que, durante a execução da pena, foi preso em flagrante por tentativa do mesmo crime. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) negou pedido de instauração de Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD) para a apuração de falta grave, com fundamento no princípio constitucional da presunção de inocência. Para o tribunal estadual, a aplicação do artigo 52 da Lei de Execução Penal (Lei 7.210/1984) pressupõe o trânsito em julgado da condenação. O dispositivo prevê que a prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e, quando ocasionar subversão da ordem ou da disciplina interna, sujeitará o preso, sem prejuízo da sanção penal, ao regime disciplinar diferenciado.
O RE 776823 foi interposto pelo Ministério Público do Grande do Sul (MP-RS) contra a decisão do TJ-RS.
Natureza mista
Em seu voto, o relator, ministro Edson Fachin, apontou que o Plenário, no julgamento do RE 972598, decidiu que a oitiva do condenado pelo Juízo da Execução Penal, em audiência realizada na presença do defensor e do MP, afasta a necessidade de prévio PAD e supre eventual ausência ou insuficiência de defesa técnica no processo instaurado para apurar a prática de falta grave durante o cumprimento da pena.
Sanções diferentes
Segundo o relator, o reconhecimento de falta grave se desenvolve, em regra, como procedimento de natureza mista: de caráter administrativo, perante a autoridade prisional (PAD), e de cunho judicializado, perante o juízo da execução. Ele não se confunde, portanto, com o processo a ser desenvolvido no juízo de conhecimento pelo eventual crime doloso, pois as sanções decorrentes, de natureza disciplinar (como a regressão a regime mais gravoso), diferem das previstas na legislação penal (a pena). Assim, exigir o trânsito em julgado do processo penal para a imposição de sanção disciplinar seria como vincular competências de juízos distintos. Da mesma forma, os artigos 52 e 118 da Lei de Execução Penal, que regem esfera distinta e independente do processo de conhecimento, não são incompatíveis com a presunção da inocência, prevista na Constituição Federal.
Sentença condenatória
Por outro lado, o ministro observou que a existência de sentença criminal condenatória pela prática do crime doloso no curso da execução permite o reconhecimento da sanção disciplinar, pois pressupõe que foram franqueadas ao sentenciado/acusado todas as garantias decorrentes do contraditório e da ampla defesa. Fachin salientou, contudo, que o uso da sentença criminal pelo juízo da execução não dispensa a defesa técnica em relação à falta grave e que a decisão na esfera administrativo-disciplinar não é irrecorrível.
Nos termos do voto do relator, o STF deu provimento ao RE para determinar ao juízo de origem que dê início à apuração da prática de falta grave, observando as diretrizes firmadas.
Tese
A tese de repercussão geral fixada no julgamento foi a seguinte: “O reconhecimento de falta grave consistente na prática de fato definido como crime doloso no curso da execução penal dispensa o trânsito em julgado da condenação criminal no juízo do conhecimento, desde que a apuração do ilícito disciplinar ocorra com observância do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, podendo a instrução em sede executiva ser suprida por sentença criminal condenatória que verse sobre a materialidade, a autoria e as circunstâncias do crime correspondente à falta grave”.