A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgão do Ministério Público Federal (MPF), e outras cinco organizações de defesa dos direitos humanos encaminharam, na última quinta-feira (6), manifestação favorável à aprovação do Projeto de Lei Complementar 11/2023 da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Norte, que institui o Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio Grande do Norte (MEPCT/RN). A atribuição principal do mecanismo é realizar inspeções em locais de privação de liberdade, sem aviso prévio, a fim de subsidiar procedimentos criminais ou administrativos.
A nota técnica apresentada ao deputado estadual Adjuto Dias (MDB) é assinada pela PFDC, pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), pelo Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (CNPCT), pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), pela Defensoria Pública da União (DPU) e pelo Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio Grande do Norte (CEPCT/RN).
No documento, as instituições ressaltam que os mecanismos são fruto do compromisso que o Brasil assumiu com a Organização das Nações Unidas (ONU) a fim de erradicar maus tratos, tratamentos cruéis, desumanos, degradantes e tortura física e psicológica em espaços de privação de liberdade no país. Os órgãos têm autonomia no exercício de suas funções, a partir da atuação de peritos, selecionados por meio de processo seletivo com diversas fases. Após a inspeção, os órgãos podem solicitar imediatamente a abertura de procedimento criminal ou administrativo às autoridades.
A atuação dos peritos que compõem os mecanismos preventivos deve ocorrer em todos os locais de privação de liberdade, categorizados pela ONU como sistema prisional e sistema socioeducativo, além de delegacias, portos, aeroportos, comunidades terapêuticas, hospitais psiquiátricos, hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico, abrigos para crianças e adolescentes e instituições de longa permanência para idosos.
“Os mecanismos preventivos possuem o papel fundamental de combater e sobretudo prevenir a ocorrência de práticas de maus tratos, tratamentos cruéis, desumanos, degradantes e tortura física e psicológica nos diversos espaços de privação de liberdade, com o objetivo também de combater a impunidade e trazer responsabilização para os perpetradores de tais práticas criminais”, afirmam no documento. O objetivo é garantir a proteção dos direitos das pessoas em privação ou restrição de liberdade e que leis nacionais e compromissos internacionais assumidos pelo país sejam cumpridos.
Segundo as organizações, o Rio Grande do Norte é marcado por grandes massacres e violações de direitos fundamentais no âmbito do sistema carcerário desde 2017. Relatórios apresentados nos últimos anos pelo MNPCT apontam violência institucional física e psicológica, tortura, violência policial a pessoas privadas de liberdade e suas famílias, além de recomendar reiteradamente a criação do órgão estadual.
Independência e prerrogativas – Na nota técnica, as organizações ressaltam que os peritos do MEPCT, além de gozarem de autonomia das posições e opiniões adotadas no exercício de suas funções, não devem estar, direta ou indiretamente, vinculados administrativamente aos órgãos responsáveis pela administração de locais de privação e restrição de liberdade. “Nesse sentido, é importante assegurar a independência do MEPCT/RN, de modo que a Lei Complementar 11/2023 contenha a previsão de processo de seleção aberto, transparente e inclusivo, no qual a escolha da composição do MEPCT seja baseada em critérios pré-estabelecidos, sem a participação do chefe do Executivo”, destaca trecho do documento.
As organizações recomendam ainda que devem ser estabelecidas previamente prerrogativas e imunidades garantidas aos membros do MEPCT e o acesso irrestrito a qualquer lugar de privação de liberdade, sem limites ou exceções, de acordo com a legislação federal. E acrescentam que o órgão deve ter independência administrativa e financeira, como condição indispensável para o exercício funcional.
Sistema Nacional – Criado em 2013, pela Lei Federal 12.847/2013, o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (SNPCT) é fruto de prolongado debate político e intenso engajamento social, que perdurou por mais de uma década após a ratificação da Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes. A partir daí, o Brasil assumiu internacionalmente a responsabilidade de se articular internamente e implementar medidas para combater e prevenir a tortura.
“Isso significa dizer que a União, estados e Distrito Federal, municípios, bem como os três Poderes em todos os níveis federativos e as Defensorias Públicas e Ministérios Públicos precisam, em sintonia com a sociedade civil, esforçar-se para a erradicação da tortura”, afirmam as organizações na nota técnica, ressaltando ainda que o sistema nacional nunca foi implementado em sua plenitude devido, principalmente, à não criação de mecanismos estaduais em todos os estados do Brasil.