Foi suspenso, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), o julgamento que analisa a constitucionalidade de dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101/2000) que permitem a redução dos vencimentos e da jornada de trabalho de servidores públicos estáveis, com a finalidade de observar os limites de despesas com pessoal. O presidente, ministro Dias Toffoli, suspendeu o julgamento para aguardar o voto do ministro Celso de Mello, tendo em vista que não foi alcançada a maioria necessária à declaração de inconstitucionalidade das regras questionadas.
Na sessão desta quinta-feira (22), a Corte deu continuidade ao julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 2238, 2324, 2256, 2241, 2250 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 24, que questionam diversos dispositivos da LRF. O Plenário concluiu, nas sessões de ontem, a análise das ADIs 2261 e 2365.
Constitucionalidade
Ao iniciar seu voto sobre a redução de despesas com pessoal, o relator, ministro Alexandre de Moraes, assentou que os parágrafos 1º e 2º do artigo 23 da LRF, que possibilitam, respectivamente, a extinção de cargos e funções e a redução temporária da jornada de trabalho e dos vencimentos, estão em absoluta consonância com os princípios constitucionais da razoabilidade e da eficiência. De acordo com o ministro, a própria Constituição Federal (artigo 169) prevê a possibilidade da extinção de cargos de servidores estáveis, e a norma complementar criou medida alternativa menos restritiva para momento de crise.
Segundo o relator, a Constituição e a LRF, combinadas, preveem um escalonamento das providências a serem tomadas quando se exceder o limite de gastos: redução das despesas com cargos em comissão, exoneração dos servidores não estáveis, redução da jornada de trabalho e dos vencimentos e, por último, extinção dos cargos de servidores estáveis. “Não seria razoável impedir ao legislador a criação de um caminho intermediário que preservasse a garantia maior, que é a estabilidade, por meio de uma relativização temporária e proporcional de uma garantia instrumental, a irredutibilidade de vencimentos”, afirmou.
No entendimento do ministro, a LRF não é arbitrária e visa proteger, ao mesmo tempo, a estabilidade do servidor, sua carreira e a prestação do serviço público. “A medida intermediária, excepcional e temporária é destinada a proteger o interesse público, pois evitará a extinção dos cargos estáveis, a impossibilidade de sua recriação nos quatro anos seguintes, a necessidade posterior de novos concursos públicos para a reposição dos servidores quando a estabilidade fiscal retornar e a perda da experiência acumulada dos antigos servidores estáveis”.
Acompanharam integralmente o relator os ministros Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes.
Irredutibilidade
O ministro Edson Fachin inaugurou a divergência apenas em relação à redução da jornada e dos vencimentos. Para o ministro, não cabe flexibilizar o mandamento constitucional da irredutibilidade de salários para gerar alternativas menos onerosas ao Estado. “Por mais inquietante e urgente que seja a necessidade de realização de ajustes nas contas públicas estaduais, a ordem constitucional vincula, independentemente dos ânimos econômicos ou políticos, a todos”, afirmou. Para Fachin, caso se considere conveniente e oportuna a redução de despesas com folha salarial no funcionalismo público como legítima política de gestão da administração pública, deve-se seguir apenas o que está previsto na Constituição (parágrafos 3º e 4º do artigo 169).
O ministro citou precedentes da Corte no sentido de que o artigo 37, inciso XV, da Constituição impossibilita a utilização da retenção salarial como meio de redução de gastos com pessoal para fins de adequação aos limites legais. “A jurisprudência da Corte inviabiliza qualquer forma de interpretação diversa, valendo-se da cláusula de irredutibilidade dos rendimentos”, concluiu.
Os ministros Ricardo Lewandowski, Luiz Fux, e Marco Aurélio votaram no mesmo sentido. A ministra Cármen Lúcia acompanhou em parte a divergência, ao entender que é possível reduzir a jornada de trabalho, mas não o vencimento do servidor.
O presidente Dias Toffoli propôs que se dê interpretação conforme a Constituição no sentido de que a redução de jornada e de vencimentos só pode ser aplicada após a adoção das medidas exigidas pelo artigo 169, parágrafo 3º, inciso I. A medida, segundo seu voto, alcançaria primeiramente os servidores não estáveis e, somente se persistisse a necessidade de adequação ao limite com despesas de pessoal, seria aplicada ao servidor estável.
Empate
Na sessão desta quinta-feira, o Plenário também prosseguiu na análise do parágrafo 3º do artigo 9º da LRF, que autoriza o Poder Executivo a restringir de forma unilateral o repasse de recursos aos poderes Legislativo e Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública. A permissão de corte vale apenas quando a previsão de receita não se realizar e esses entes deixarem de promover a redução de despesas por iniciativa própria.
Quanto a esse ponto, ao votar na sessão de hoje, o ministro Luiz Fux se alinhou aos ministros Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski, que entendem que a norma fere o princípio da separação de Poderes. Para Fux, a permissão fere a autonomia financeira do Judiciário, e a vigência desse dispositivo, atualmente suspenso por decisão liminar do Plenário na ADI 2238, “vai trazer um ambiente de crise institucional e de desarmonia”.
Em sentido contrário, os ministros Dias Toffoli, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso conferem à regra interpretação conforme a Constituição para que, caso necessário, o desconto da receita corrente líquida prevista na lei orçamentária seja efetuado de forma linear e uniforme. O julgamento será concluído com o voto de desempate do ministro Celso de Mello.
Outros pontos
Ainda na sessão desta quinta-feira, a Corte confirmou a constitucionalidade de outros dispositivos da LRF questionados nas ações. Por maioria, confirmou que a repartição de receita prevista no artigo 20 é constitucional e não fere a autonomia dos Poderes Legislativo e Judiciário da União. A previsão de transferência de resultados do Banco Central do Brasil para o Tesouro Nacional (artigo 7, caput, e parágrafo 1º), para o colegiado, é uma dinâmica constitucional e encontra previsão em outras normas.
Por unanimidade, os ministros julgaram válida a regra do artigo 18, caput, parágrafo 1º, que afirma que os valores dos contratos de terceirização de mão-de-obra para substituição de servidores e empregados públicos serão contabilizados como “Outras Despesas de Pessoal”.
Inconstitucional
O colegiado julgou inconstitucionais o caput do artigo 56 e 57, que preveem que as contas prestadas pelos chefes do Poder Executivo incluirão, além das suas próprias, as dos presidentes dos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário e do chefe do Ministério Público, as quais receberão parecer prévio, separadamente, do respectivo Tribunal de Contas. Para os ministros, a Constituição não exige parecer prévio dos Tribunais de Contas, mas apenas a análise final (o julgamento das respectivas contas).
Fonte: STF