A Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do RN julgou nesta terça-feira (7), em sessão virtual, recurso da Defensoria Pública Estadual contra decisão monocrática do desembargador Saraiva Sobrinho que havia negado um pedido de Habeas Corpus coletivo para todas as pessoas presas ou que vierem a ser presas e que sejam do grupo de risco da pandemia do novo coronavírus (Covid-19). O entendimento do relator, de que a situação de cada preso deve ser analisada pelo juiz da Execução Penal, de maneira individualizada, sob pena de ofensa ao princípio do juiz natural, foi mantida pelos demais desembargadores do órgão julgador, não dando assim provimento ao recurso da Defensoria.
Em sua decisão monocrática, o desembargador Saraiva Sobrinho destacou que “qualquer deliberação no mandamus coletivo in examine, em detrimento e afronta ao juiz natural, representaria uma usurpação de competência em caráter indiscriminado e contemplaria indistintamente todos os presos englobados no grupo de risco”. O relator ressalta que a concessão do Habeas Corpus nos termos propostos pela Defensoria “colocaria em xeque imprescindível estudo minucioso de cada caso” e que providências administrativas foram dirigidas expressamente aos juízes responsáveis pela tutela legal de potenciais paciente, cabendo a estes magistrados “a apreciação pormenorizada dos contornos vivenciados por cada um per si, em obséquio ao princípio da individualização”.
Recurso
No Agravo Interno levado a Câmara Criminal, a Defensoria Pública alegou que a despeito das elogiáveis diretrizes administrativas do Conselho Nacional de Justiça e do Tribunal de Justiça, o quadro atual da Covid-19 reclama “medidas cogentes, que obriguem as autoridades públicas a assegurar aos custodiados integrantes do grupo de risco os direitos à saúde, à integridade física, à própria vida, postos em xeque em caso de cenário de disseminação do vírus dentro do sistema penitenciário”.
A Defensoria ressaltou que a petição do Habeas Corpus Coletivo delimitou o grupo a ser favorecido, apresentando uma planilha individualizada oriunda da Secretaria Estadual de Administração Penitenciária, discriminando 1.467 presos integrantes do grupo de risco da doença.
A DPE argumentou ainda não existir usurpação de competência na análise do Habeas Corpus Coletivo e que ele evitaria decisões conflitantes pelos juízes de primeiro grau.
Decisão
Ao analisar o Agravo Interno, o relator defendeu que a decisão deveria ser mantida por seus próprios fundamentos, o que foi acompanhado à unanimidade pelos membros da Câmara Criminal. Saraiva Sobrinho observou que “longe de desmerecer a situação peculiar de superpopulação enclausurada, elemento fomentador de propagação da atual moléstia, tenho que o estudo deve ser adstrito, num primeiro momento, ao Juiz da Execução, de maneira individualizada (seja encarcerado provisório ou apenado), mormentemente em relação àqueles alvos do grupo de risco, consoante recomendado pelos atos administrativos suso mencionados em somatório de esforços junto às autoridades sanitárias”.
O desembargador Saraiva Sobrinho apontou que o Supremo Tribunal Federal, na ADPF 347, não referendou, por maioria de votos, a posição do ministro Marco Aurélio Mello, o qual havia recomendado aos juízos a análise “com urgência maior” da possibilidade de concessão da liberdade condicional aos idosos, fixação de regime domiciliar ao grupo de risco em crimes sem violência ou grave ameaça, medidas alternativas para os encarcerados que cometeram crimes violentos, dentre outras. A posição vencedora no Plenário foi respaldada no risco do controle estatal, na independência dos poderes e na evitabilidade de massificação das demandas judiciais.
O relator do Agravo Interno observou ainda que “conceder irrestritamente clausura domiciliar a uma diversidade de pessoas legalmente segregadas e, portanto, já submetidas ao exigido e fomentado isolamento social (quarentena), além de importar em deletério aniquilamento de instância, elevaria, com certeza, o nível de temor”, citando voto do ministro Rogério Schietti Cruz, do Superior Tribunal de Justiça, nesse sentido.
“A crise do novo coronavírus deve ser sempre levada em conta na análise de pleitos de libertação de presos, mas, ineludivelmente, não é um passe livre para a liberação de todos, pois ainda persiste o direito da coletividade em ver preservada a paz social, a qual não se desvincula da ideia de que o sistema de justiça penal há de ser efetivo, de sorte a não desproteger a coletividade contra os ataques mais graves aos bens juridicamente tutelados na norma penal”, observou o ministro do STJ no HC 567.408-RJ.
O magistrado do TJRN apresentou outros julgados de tribunais brasileiros sobre o mesmo tema e ressaltou que na pesquisa foi constada a inclinação “pelo indeferimento de plano, especialmente em decorrência do anulamento de alçada”.
Um dos julgados citados é do ministro Marcelo Navarro Ribeiro Dantas, do STJ, o qual indicou que “o pleito pertinente à pandemia causada pelo COVID-19 não foi objeto de cognição pelo Tribunal de origem e, sequer, pelo Juízo das Execuções autoridade a quem cabe a análise de tais questões, o que torna inviável o seu exame nesta sede, sob pena de incidir em indevida supressão de instância, conforme reiterada jurisprudência desta Corte”.
(Agravo Interno em Habeas Corpus nº 0802483-40.2020.8.20.0000)