A falta de registro do contrato de compra e venda de imóvel com alienação fiduciária em garantia não dá ao devedor fiduciante o direito de promover a sua rescisão por meio diverso do pactuado, nem impede o credor fiduciário de, fazendo o registro, promover a alienação do bem em leilão, para só então entregar eventual saldo remanescente ao devedor, descontadas a dívida e as despesas comprovadas.
Em julgamento de embargos de divergência, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) adotou o entendimento de que, ainda que o registro do contrato no competente registro de imóveis seja imprescindível à constituição da propriedade fiduciária de coisa imóvel, nos termos do artigo 23 da Lei 9.514/1997, sua ausência não retira a validade e a eficácia dos termos livre e previamente ajustados entre os contratantes, inclusive da cláusula que autoriza a alienação extrajudicial do imóvel em caso de inadimplência.
Na origem do caso, os compradores ajuizaram ação de rescisão do contrato e pediram a devolução dos valores pagos. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) manteve a sentença de procedência da ação, por desistência imotivada dos compradores, com aplicação da Súmula 543 do STJ em detrimento do procedimento previsto na Lei 9.514/1997, diante da falta de registro da alienação fiduciária. O entendimento foi mantido pela Terceira Turma do STJ.
A credora entrou com os embargos de divergência apontando que a Quarta Turma, em caso semelhante, concluiu pela desnecessidade do registro, por entender que este tem apenas o objetivo de dar ciência a terceiros.
Ausência de registro não retira validade e eficácia do contrato
O autor do voto que prevaleceu no julgamento, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, explicou que “o registro, conquanto despiciendo para conferir eficácia ao contrato de alienação fiduciária entre devedor fiduciante e credor fiduciário, é, sim, imprescindível para dar início à alienação extrajudicial do imóvel, tendo em vista que a constituição do devedor em mora e a eventual purgação desta se processa perante o oficial de registro de imóveis, nos moldes do artigo 26 da Lei 9.514/1997”.
Ao citar precedentes do tribunal, o ministro lembrou que, mesmo sem registro, já foram reconhecidas a validade da hipoteca entre os contratantes e a legitimidade do compromissário comprador para a oposição de embargos de terceiro.
Reconhecimento da validade do contrato é favorável a ambas as partes
O ministro lembrou que esse reconhecimento da validade e da eficácia do contrato de alienação fiduciária, mesmo sem o registro, favorece ambas as partes. Segundo observou, uma vez constituída a propriedade fiduciária, com o consequente desdobramento da posse, o credor perde o direito de dispor livremente do bem. Nessa hipótese, somente se houver inadimplência do devedor, e após a consolidação da propriedade, respeitado o procedimento do artigo 26 da Lei 9.514/1997, o credor poderá alienar o bem.
Cueva destacou que o registro é indispensável para dar início à alienação extrajudicial do imóvel, tendo em vista que a constituição do devedor em mora e a eventual purgação desta se processam perante o oficial do registro imobiliário, nos moldes do artigo 26 da Lei 9.514/1997.
Para o ministro, contudo, essa exigência não confere ao devedor o direito de rescindir a avença por meio diverso daquele contratualmente previsto, não importando se era dele ou do credor a obrigação de registrar o contrato, pois o credor fiduciário sempre poderá requerer tal providência ao cartório antes de dar início à alienação extrajudicial.