“Somente com a educação é que a gente vai poder melhorar o nosso material humano”. É com essa premissa que a juíza Cinthia Cibele Diniz, responsável pela Vara das Execuções Penais da Comarca de Mossoró, acredita que o Poder Judiciário pode contribuir com uma sociedade mais harmoniosa e pacífica. Pensando nisso, a magistrada vem implementando em terras mossoroenses um exitoso programa educacional nas dependências da Penitenciária Agrícola Doutor Mário Negócio. O complexo prisional atualmente conta com quatro salas de aula que foram construídas e custeadas pelo Poder Judiciário, por meio de recursos de penas pecuniárias.
Como a iniciativa requer engajamento do Poder Público como um todo para ter continuidade, Cinthia Cibele buscou o Poder Executivo estadual, na manhã dessa segunda-feira (23), para apresentar o programa e alinhar ações para, em conjunto, fortalecer a educação prisional em Mossoró ou até ampliar para as demais comarcas do Estado.
Naquelas salas de aula os apenados podem participar de um completo programa de ensino regular, indo desde a alfabetização, passando pelas séries iniciais e pelo ensino fundamental até o ensino médio. A ação foi tão exitosa que, atualmente, a unidade judicial conta com 21 apenados aprovados no último Enem, inclusive disputando vaga no Sistema de Seleção Unificada (SiSU).
A proposta teve início no ano de 2017, com a chegada da magistrada na comarca de Mossoró. Na época, ela observou uma demanda maior por educação prisional e, assim, a Vara de Execução Penal passou a conceder remição pela pena (que é o abatimento da pena) por estudo e nas diversas modalidades, desde o ensino regular, passando pela remissão pela leitura e, principalmente, com aprovação dos apenados em exames nacionais de certificação, seja o Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja), seja o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
De acordo com a juíza Cinthia Cibele, o programa tem aumentado, inclusive, o número de aprovados, a cada ano, no Enem. Ela revelou, como resultado desse esforço, que a unidade judicial já conta com dois apenados (que começaram no regime fechado) cursando o nível superior, na modalidade à distância, o curso de Gestão Ambiental do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN).
O êxito deles atraiu muitos outros apenados ao estudo, o que criou uma demanda crescente por educação prisional. Porém, com uma necessidade atendida – que era uma estrutura no Complexo Prisional para atender aos apenados interessados nos estudos – surgiu um problema: como oferecer uma educação fortalecida no ambiente prisional já que os professores são temporários, o que traz para essa educação oferecida solução de continuidade.
“Eu busquei essa reunião [com o Governo do Estado] porque nós precisamos estimular, fortalecer e ampliar, inclusive, essa educação no presídio, porque é o momento que ela vai ajudar na disciplina prisional, na inclusão do preso. Isto é importante porque, quando ele retornar à sociedade, ele vai voltar com outros valores. Então é uma iniciativa voltada, principalmente, para humanizar o cumprimento de pena. Claro que o trabalho também é importante, mas o tema da reunião foi tão somente a educação”, explicou a magistrada.
A reunião com a governadora Fátima Bezerra foi acompanhada pelo secretário estadual de Educação, Getúlio Marques Ferreira, pelo secretário estadual de Administração Penitenciária, Pedro Florêncio Filho, e pela secretária de Mulheres, Cidadania e Direitos Humanos, Arméli Brennand.
Segundo a magistrada, a governadora se mostrou interessada na interação entre os poderes e escalou o vice-governador, Antenor Roberto, para fazer a articulação entre entidades de ensino e a Vara de Execução Penal de Mossoró para tentar uma cooperação de instituições com vistas a intensificar a educação prisional. “Com isso, vamos ampliar, fortalecer e qualificar mais ainda porque somente com a educação é que a gente vai poder melhorar o nosso material humano”, disse Cinthia Cibele.
A magistrada explicou que a iniciativa implantada faz parte de uma política de prevenção adotada pelo Poder Judiciário. “A gente só vai ter realmente uma efetiva política de prevenção criminal quando a gente der acesso a essa educação em todos os níveis para todos, não é só a quem está na sociedade e comete um delito, que está inapto vai pra presídio e sai de lá analfabeto”, comenta.
E questiona: “Qual foi a valorização que a gente fez desse ser humano? Nenhuma. Ele não teve nenhuma alternativa. A única alternativa que ele teve foi a de se associar a uma associação criminosa. Então é a partir daí que a gente deve começar a atividade de prevenção. Com educação e trabalho nos presídios”, esclareceu.
Uma das propostas que a juíza Cinthia Cibele apresentou ao Governo do Estado é a de se criar uma escola prisional permanente na Penitenciária Doutor Mário Negócio. Diante da falta de condições financeiras que o Estado suscitou para fazer isso, porque vai demandar um corpo específico de professores, com uma seleção específica, a juíza rebateu que tal realidade não afasta um trabalho de união e de articulação das forças de forma interinstitucional no sentido de encontrar outras soluções para ampliar o programa educacional na penitenciária.
Após esse primeiro contato com o Poder Executivo, a juíza espera que as instituições consigam a cooperação necessárias com as instituições de ensino para que o trabalho de educação prisional prossiga transformando vidas.
Fonte: Portal do Judiciário