Em sustentação oral durante sessão desta quarta-feira (29) no Supremo Tribunal Federal (STF), o procurador-geral da República, Augusto Aras, defendeu a inconstitucionalidade do artigo 2º, caput, e parágrafo 1º, da Lei 13.463/2017, que determina o cancelamento de precatórios e Requisições de Pequeno Valor (RPVs) federais depositados em bancos oficiais há mais de dois anos e que ainda não tenham sido sacados pelos cidadãos. Para o PGR, a medida viola a atribuição constitucional conferida ao Poder Judiciário de estabelecer os trâmites internos da gestão do sistema de precatórios, além de ofender o princípio da separação de Poderes e a coisa julgada material.
A manifestação se deu na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.755, apresentada pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT). O julgamento havia sido iniciado no Plenário Virtual, com voto da relatora, ministra Rosa Weber, pela procedência da ação. Ainda na votação virtual, o ministro Roberto Barroso, havia pedido vista e, após devolução do processo, apresentado divergência parcial. Como em seguida, o ministro Gilmar Mendes fez pedido de destaque, o processo foi remetido ao Plenário físico para reinício do julgamento, com apresentação das sustentações orais das partes e dos amici curiae (amigos da corte).
Previsto no artigo 100 da Constituição, a sistemática de precatórios busca propiciar o cumprimento das decisões judiciais contra a Fazenda Pública. Após a consignação dos valores pelo Poder Executivo, a administração dos recursos destinados ao pagamento dos precatórios e das RPVs fica a cargo do Judiciário. Essa gestão é norma originária da Constituição que visa a garantir a independência e a harmonia entre os Poderes.
Ao se manifestar, Aras enfatizou que o processo de pagamento de precatórios pode demorar década. Além da demora natural do processo de conhecimento, da exaustão de todos os recursos cabíveis, eventualmente até ao STF, a sistemática exige ainda a fase da execução contra a Fazenda Pública, com a possibilidade de vários recursos. “Não podemos nos esquecer que, especialmente nas ações coletivas, temos uma situação que pode causar graves injustiças, especialmente aos mais idosos. Muitas vezes, o servidor público é alguém já idoso, com muitas dificuldades de saúde, com muitas dificuldades cognitivas e que não acompanha e não tem condições materiais de acompanhar o andamento do seu precatório. É realidade encontrada em todo o país”.
Sobre o mérito da ADI, o PGR afirmou que impressiona a inconstitucionalidade da previsão legal que, além de retirar do Poder Judiciário a gestão administrativa da execução contra a Fazenda Pública, permite a instituições financeiras promover, por conta própria, o cancelamento de precatórios e RPVs. “A lei questionada também inovou na matéria e impôs limite temporal ao exercício do direito do cidadão, o qual, sublinhe-se, além de não previsto nas regras constitucionais sobre o precatório, vai na contramão da efetividade do respectivo sistema de pagamentos”.
A norma também dificulta a efetividade da jurisdição, na medida em que torna indisponível o valor devido à Fazenda Pública e reconhecido por decisão judicial transitada em julgado. Para sacar o valor de precatório cancelado, o cidadão-credor deve buscar a expedição de novo ofício requisitório, iniciando outro procedimento administrativo – processo que pode levar vários anos – cuja efetividade estará condicionada a uma segunda previsão orçamentária. “Assim, por força dessa inovação legislativa, o credor não terá acesso direto e imediato ao seu crédito, o qual, repita-se, decorre de direito reconhecido por sentença judicial transitada em julgado e executada de acordo com as normas procedimentais pertinentes”, frisou Aras.
Continuidade de julgamento – Após a leitura do voto da ministra Rosa Weber, que reiterou o teor já lançado no Plenário Virtual, no sentido de dar provimento ao pedido da ADI 5.755 e declarar inconstitucional o artigo 2º, caput, e parágrafo 1º, da Lei 13.463/2017, o julgamento foi suspenso. Na sessão desta quinta-feira (30), haverá a apresentação do destaque formulado pelo ministro Gilmar Mendes.