Sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 963), a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que não cabe execução regressiva proposta pela Eletrobras contra a União em razão da condenação ao pagamento das diferenças na devolução do empréstimo compulsório sobre o consumo de energia elétrica ao particular contribuinte.
O colegiado negou provimento ao recurso especial da Eletrobras, representativo da controvérsia, por entender que na situação estaria configurada a responsabilidade solidária subsidiária da União pelos valores a serem devolvidos na sistemática do empréstimo compulsório. Com base na mesma tese, os ministros deram provimento ao recurso da União.
O relator dos dois recursos, ministro Mauro Campbell Marques, lembrou que, em 2009, o tribunal tratou das diferenças de juros e correção monetária devidas na devolução do empréstimo compulsório (Temas 64 a 73). Segundo o ministro, a Eletrobras foi acionada repetidamente para o cumprimento de sentença dos julgados e agiu em regresso contra a União em todas essas ações, sob o argumento de que cada qual seria responsável por metade da dívida.
Histórico
Em seu voto, o relator relembrou a criação da Eletrobras, em um momento em que a distribuição de energia elétrica no Brasil era controlada por companhias estrangeiras que não respondiam satisfatoriamente ao aumento da demanda. O projeto de criação da estatal, de 1954, foi assinado por Getúlio Vargas e tramitou até o fim do governo Juscelino Kubitschek, tendo a empresa sido criada pela Lei 3.890-A/1961, no governo de Jânio Quadros, como sociedade de economia mista.
Segundo o ministro, o objetivo da Eletrobras era construir e operar usinas geradoras/produtoras, linhas de transmissão e distribuição de energia elétrica. A ideia era superar a crise gerada pela desproporção entre a demanda e a oferta de energia no país, ou seja, atuar em um setor estratégico para o desenvolvimento nacional.
No entanto, explicou Campbell, por conta da escassez de recursos para financiamento e conclusão dos grandes empreendimentos do setor, a Lei 4.156/1962 instituiu o empréstimo compulsório sobre o consumo de energia elétrica. O valor foi cobrado na conta do consumidor a partir de 1964, em troca de obrigações da Eletrobras resgatáveis em dez anos.
Política estratégica
O ministro destacou que o artigo 4°, parágrafo 3°, da Lei 4.156/1962 prevê que a União, ao lado da Eletrobras, é responsável solidária perante o credor pelos valores da devolução do compulsório.
Para ele, diante dos contextos histórico e legislativo, o caso não é de simples aplicação do artigo 285 do Código Civil, que trata da hipótese de dívida que interessa exclusivamente a um dos devedores solidários. “Isto porque o emprego realizado pela Eletrobras dos recursos provenientes da arrecadação do empréstimo compulsório sobre o consumo de energia elétrica não o foi em exclusivo benefício da empresa, mas sim na construção e realização de uma política pública estratégica e de âmbito nacional no campo energético formulada pela própria União (além do fato de ser a União seu acionista controlador)”, disse.
O ministro também ressaltou que o caso não se amolda ao disposto no artigo 283 do Código Civil. De acordo com ele, o fato de a lei estabelecer que a União é devedora solidária com a Eletrobras não implica necessariamente que metade do valor do débito referente à devolução do empréstimo compulsório seja dela. Ele observou que nem a lei nem os recursos repetitivos julgados pelo STJ (REsp 1.003.955 e REsp 1.028.592) trouxeram a definição de cotas de responsabilidade da dívida para aplicar o dispositivo legal citado.
Solidariedade subsidiária
Mauro Campbell Marques entendeu que a responsabilidade da União deve ser buscada na própria lei do empréstimo, a partir de uma interpretação sistemática do conjunto normativo e histórico envolvido na elaboração do artigo 4°, parágrafo 3°, da Lei 4.156/1962.
Para o ministro, o dispositivo deve ser interpretado no sentido da responsabilidade solidária subsidiária da União, uma vez que a sociedade de economia mista conta com capital constituído de recursos públicos e privados, tendo sido criada para realizar atividade própria da União, seu ente criador, que poderia realizar tais atividades diretamente. O ministro explicou que, diante da autonomia da Eletrobras, a incursão no patrimônio do ente criador somente poderia ocorrer em caso de insuficiência do patrimônio da criatura, já que a União seria garantidora dessa atividade.
“Como o caso é de responsabilidade solidária subsidiária, inexiste o direito de regresso da Eletrobras contra a União, pois esta somente é garantidora, perante o credor, nas situações de insuficiência patrimonial da empresa principal devedora. A expressão ‘em qualquer hipótese’ contida no dispositivo legal (artigo 4°, parágrafo 3°, da Lei 4.156/1962) existe apenas para permitir ao consumidor/contribuinte/credor optar por acionar diretamente a União e, nesse último caso, esta é que terá direito de regresso contra a Eletrobras ou benefício de ordem, se houver patrimônio suficiente, já que originalmente destacado da União justamente com a finalidade de realizar a política no setor de energia”, concluiu o ministro.
Fonte: STJ