Por unanimidade, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu, nesta quinta-feira (28), pela improcedência e arquivamento de duas Ações de Investigação Judicial Eleitoral (Aije) que pediam a cassação dos diplomas e a consequente inelegibilidade por oito anos do presidente da República, Jair Bolsonaro, e do vice, Hamilton Mourão, por suposto abuso de poder econômico e uso indevido de meios de comunicação na campanha eleitoral de 2018. A acusação era de impulsionamento ilegal de mensagens em massa via WhatsApp durante a campanha, bem como uso fraudulento de nome e CPF de idosos para registrar chips de celular utilizados para garantir os disparos.
Na mesma sessão, por maioria de votos (6×1), o colegiado fixou nova tese segundo a qual “o uso de aplicações digitais de mensagens instantâneas visando promover disparos em massa contendo desinformação e inverdades em prejuízo de adversários e em benefício de candidato pode configurar abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação social, nos termos do artigo 22 da LC 64/1990 [Lei de Inelegibilidade], a depender da efetiva gravidade da conduta, que será examinada em cada caso concreto”. A tese deve balizar os julgamentos de ações envolvendo o uso de redes sociais e aplicativos de mensagens nas futuras campanhas eleitorais. Apenas o ministro Carlos Horbach ficou vencido neste ponto.
Tanto o resultado quanto a fixação da tese seguiram o posicionamento do relator, ministro Luis Felipe Salomão, que apresentou o voto na sessão do dia 26 de outubro. Mesmo reconhecendo a ilicitude do uso de disparo em massa em benefício da campanha de 2018, entendeu que as provas contidas nas Aijes não são suficientes para atestar a gravidade dos fatos, o que é requisito para a cassação da chapa. Salomão ressaltou que cabia ao autor do processo, no caso a coligação O Povo Feliz de Novo, proceder à busca e à juntada de elementos de prova que efetivamente pudessem servir à comprovação dos ilícitos e de sua gravidade.
Na ocasião, os ministros Mauro Campbell Marques e Sérgio Banhos seguiram o entendimento do relator. Hoje, votaram no mesmo sentido os ministros Carlos Horbach, Alexandre de Moraes, Edson Fachin e o presidente da Corte, Luís Roberto Barroso.
Decisão para o futuro
Ao proclamar o resultado, Barroso destacou que a maioria expressiva do Tribunal entendeu que ocorreram condutas ilícitas relacionadas a disparos em massa e à difusão de desinformação contra os adversários. Mas não houve comprovação suficiente de ligação dessas irregularidades com a chapa vencedora nem a comprovação de compra dos disparos por pessoas ligadas à campanha presidencial em 2018.
Barroso disse que essa é uma decisão para o futuro, uma decisão para demarcar os contornos que vão pautar a democracia brasileira e as eleições do próximo ano, buscando formas de enfrentar e coibir a desinformação, os discursos de ódio, as mentiras e as teorias conspiratórias nas mídias e redes sociais.
Já o ministro Alexandre de Moraes afirmou que a Justiça Eleitoral se preparou para casos semelhantes e que esse julgamento deixa isso muito claro. “Nós já sabemos como são os mecanismos, nós já sabemos agora quais provas rápidas [podem ser obtidas], em quanto tempo e como devem ser obtidas e não vamos admitir que essas milícias digitais tentem novamente desestabilizar as eleições, as instituições democráticas a partir de financiamentos espúrios não declarados, a partir de interesses econômicos também não declarados e que estão também sendo investigados”, asseverou.
Segundo ele, “se houver repetição do que foi feito em 2018, o registro será cassado, e as pessoas que assim fizerem irão para a cadeia por atentarem contra as eleições e a democracia no Brasil”.
Acompanhe como votou cada ministro na sessão de hoje:
O ministro Carlos Horbach acompanhou o relator na conclusão, pela improcedência das provas, mas divergiu quanto à fixação de tese. Para ele, não se justifica a criação de jurisprudências com base na defasagem da legislação eleitoral. Ele lembrou que o texto da Lei de Inelegibilidade, neste ponto, está inalterado há 21 anos. Ou seja, defendeu que a tese proposta pelo relator pode ensejar uma boa discussão, mas não pode indicar um juízo nos moldes da lei.
Conforme salientou o ministro, para que a conduta seja vista como abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação sociais, seria necessário incluir tal irregularidade em lei, uma vez que a legislação eleitoral tem sido constantemente atualizada para fazer incluir em seus preceitos os novos meios digitais à disposição das campanhas políticas. “Basta-se pensar na questão do crowdfunding, regulado pela Lei 13488/2017, todas as inovações trazidas na Lei das Eleições quanto a e-mails e disparos de e-mails, e a questão da propaganda na internet”.
Edson Fachin
O ministro Edson Fachin acompanhou integralmente o voto e a tese fixada pelo relator, mas divergiu em alguns pontos. Ele não concorda, por exemplo, que as provas do STF tenham sido descartadas na fase preliminar, uma vez que “não é possível antecipar que o resultado da prova, e não a sua relação de pertinência com o objeto da demanda, é inservível para informar ou modificar o julgamento da causa”.
O próximo presidente do TSE ainda falou sobre o papel essencial da Justiça Eleitoral como garantidora da normalidade e legitimidade das eleições, mesmo diante dos inovadores desafios tecnológicos. “Há um descompasso entre os avanços tecnológicos empregados em campanhas eleitorais e os marcos normativos que regem a atuação do Estado-Juiz em matéria eleitoral. Entretanto, isso não significa que eventuais condutas que se valem desse descompasso estão além do campo de atuação do Poder Judiciário”, destacou.
Alexandre de Moraes
O ministro Alexandre de Moraes também acolheu a tese proposta pelo relator. Ele ressaltou a importância do julgamento para a definição de regras claras quanto ao uso de serviços de mensagens instantâneas e de plataformas digitais na seara eleitoral, uma vez que as mídias sociais se tornaram uma fonte primária de informação para grande parte dos brasileiros.
O magistrado foi categórico ao afirmar que a subestimação das redes ocorrida no passado, quando o país e a Justiça Eleitoral foram surpreendidos pelos disparos em massa coordenados por milícias digitais, não se repetirá nas Eleições Gerais de 2022.
Luís Roberto Barroso
Último a votar, o ministro Luis Roberto Barroso acompanhou integralmente o voto do relator, ressaltando que a tese jurídica produzirá impacto relevante e necessário para a preservação da democracia brasileira. “Não tenho nenhuma dúvida em equiparar as mídias sociais aos meios de comunicação social, porque essa é a realidade contemporânea”, enfatizou.