“Não cabe ao Supremo Tribunal Federal (STF), ainda que pela via do controle concentrado de constitucionalidade, alterar o conteúdo da lei para nela inserir norma não desejada ou para alterar-lhe o sentido inequívoco, sob pena de violação do princípio da divisão funcional de Poder”. Esse é o entendimento do procurador-geral da República, Augusto Aras, e foi manifestado na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6.662/DF. A ação requereu a prorrogação das medidas que integram o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (Pemer) instituído pela Lei 14.020/2020, enquanto durar a pandemia do coronavírus. O dispositivo instituiu ações complementares para o combate à situação de calamidade pública, como o pagamento de benefício emergencial, a redução proporcional da jornada de trabalho e de salário e a suspensão temporária de contratos.
Na ADI, o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) busca conferir interpretação conforme a Constituição tanto à norma referida, quanto à Lei 13.979/2020, que trata das medidas gerais para enfrentamento da covid-19, de modo que passem a vigorar além da data limite de 31 de dezembro de 2020, estabelecida pelo decreto legislativo que vincula ambas as legislações. Ao justificar o pedido, a legenda afirma que continua sendo necessário que as medidas previstas nas leis integrem o arsenal normativo à disposição das autoridades públicas para combater a pandemia. Também considera que o reconhecimento do fim da vigência das normas cria insegurança e põe em risco a vida e a saúde da população.
Na manifestação ao STF, Augusto Aras esclareceu que aplicação da técnica decisória denominada “interpretação conforme a Constituição” pelo Judiciário exige que haja dúvida hermenêutica no dispositivo legal quanto a mais de um sentido da norma nele inscrita. “Do contrário, o juiz deixa de exercer controle de constitucionalidade de lei para atuar como legislador positivo”, justifica o PGR. Aras pontuou que, diante de um texto que não apresente ambiguidades interpretativas, “caso o Judiciário passe a acrescentar hipóteses de incidência não previstas na norma ou dela excepcionar situações de fato não excepcionadas, vulnera o princípio da separação dos Poderes”.
Segundo avaliação do PGR, a vigência temporária da Lei 14.020/2020 é expressa, tendo a sua eficácia sido exaurida em 31 de dezembro de 2020, não havendo espaço para inovação ou complementação pelo Judiciário. Transpor a literalidade dos preceitos caracterizaria extrapolação da função jurisdicional. “Ainda que louvável o intento do requerente, o acolhimento do pleito importaria interferência indevida do Judiciário nas competências e decisões político-administrativas dos demais Poderes, a elas antecipando-se e sobrepondo-se, em evidente afronta à separação de Poderes”, afirmou Aras.
Ainda que seja permitido ao Supremo extrair interpretação conforme a Constituição para fazer incidir conteúdo normativo dotado de carga indispensável, cuja produção de efeitos não dependa da produção legislativa, o procurador-geral afirma que o raciocínio jurídico da Corte define que “a decisão interpretativa com eficácia aditiva não poderá alterar o conteúdo ou o sentido inequívoco da norma, sob pena de criar preceito normativo diverso daquele instituído por quem detém a prerrogativa de inovar positivamente o ordenamento jurídico”.
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