A Sexta Vara da Fazenda Pública da Comarca de Natal anulou o ato homologatório das candidaturas dos delegados da Pré-Conferência do Processo de Revisão do Plano Diretor, publicado na Edição Extra do Diário Oficial do Município (Ano XX, nº 4.372) em 13 de julho de 2020 e, consequentemente, todos os atos posteriores da Pré-Conferência, diante da ofensa à proporcionalidade e representatividade dos segmentos previstas no art. 17, do Regimento Interno.
A unidade judiciária destacou que não há impedimento à realização da Pré-Conferência de forma virtual, pois a utilização de ferramentas eletrônicas em vez de encontros presenciais não apresenta qualquer déficit democrático, representando uma das facetas do “novo normal” diante da pandemia causada pelo novo coronavírus (Covid-19), de modo a harmonizar a continuidade do serviço público e a legitimidade popular.
Mencionou, também, decisão do Ministro do STF Dias Toffoli na Medida Cautelar na Suspensão de Tutela Provisória 469-RJ, ao tratar da realização da audiência pública virtual para apresentação do EIA/RIMA referente ao Novo Autódromo do Rio de Janeiro, na qual o Ministro compreendeu que não seria admissível “impedir o prosseguimento desse processo, presumindo-se que a realização dessa audiência pública, por meio virtual, de antemão, impedirá a efetiva participação dos interessados” e destacou que eventual descumprimento das regras de participação deve ensejar a tomada “das medidas cabíveis, o que, contudo, não se confunde com a proibição, pura e simples, de sua realização”.
A Sexta Vara da Fazenda Pública da capital registrou que, embora o regimento interno seja omisso quanto ao formato a ser adotado na Pré-Conferência, há previsão no art. 22, do mencionado ato, que permite que os casos omissos sejam decididos pela Coordenação Técnica do Processo de Revisão. O juiz relata que, mesmo com topologia normativa equivocada, tal dispositivo deve ser aplicado pelo seu teor, pelo método de integração “analogia” e pela impossibilidade de exigir a realização de audiência pública a cada omissão verificada.
Quanto à divulgação da Pré-Conferência, a decisão mencionou que o Município do Natal/RN demonstrou, sobretudo pelas testemunhas por ele arroladas, que houve divulgação através: (i) do Diário Oficial; (ii) redes sociais do Município; (iii) jornais de grande circulação; (iv) entrevistas nas maiores emissoras do Estado e (v) quanto aos delegados, foi realizada comunicação por telefone com todas as pessoas aptas a se candidatarem, o que é suficiente para demonstrar que foi realizada “ampla divulgação”.
Alteração unilateral
Por fim, o Magistrado compreendeu que o Município do Natal, ao homologar o resultado eleitoral da Pré-Conferência em 13 de julho de 2020 não respeitou a Resolução nº 03/2020, nem o Regimento Geral do Processo de Revisão do Plano Diretor, alterando unilateralmente a representatividade de cada segmento. A interpretação adotada ao homologar os resultados criou uma terceira regra sem qualquer base legal, infralegal ou regimental, sendo contrária a própria tese adotada pelos procuradores do Município na Ação Civil Pública.
Enquanto os trabalhadores tiveram redução em 3% dos 10% previstos, perdendo desse modo um terço de sua representatividade, as Organizações Não Governamentais com atuação na área do Desenvolvimento Urbano e Ambiental perderem 2% dos 4% estabelecidos no Regimento Interno, cortando, assim, pela metade a sua representatividade.
A decisão destacou que “foram alteradas as regras de jogo, de forma informal, sem qualquer base legal, infralegal ou regimental, e tais regras foram aplicadas retroativamente ao jogo ocorrido, afrontando a garantia do exercício da cidadania popular (arts. 1º, parágrafo único, e 14, da CRFB/1988) e a segurança jurídica”, o que demonstra a necessidade de intervenção excepcional do Poder Judiciário para preservar as prerrogativas, sobretudo a representatividade, das minorias.
(Ação Civil Pública nº 0816703-75.2020.8.20.5001)