A 1ª Câmara Cível do TJRN, à unanimidade de votos, negou recurso interposto pelo Município de João Câmara contra decisão liminar da 1ª Vara Cível de João Câmara, que determinou o acolhimento compulsório em instituição de longa permanência para idosos, de um senhor que foi representado pelo Ministério Público do Estado, ao propor Ação Civil Pública e tendo atendido seu pedido de tutela de urgência para o caso.
O órgão ministerial ingressou com ação civil pública, após verificar a situação de risco vivenciada pelo ancião. O MP disse que, após o recebimento de informações relativas à situação de risco vivenciada pelo idoso, instaurou procedimento administrativo, tendo em vista que os denunciantes informaram que visitaram o idoso, ocasião na qual perceberam que este possuía forte odor (proveniente igualmente da casa em que se encontrava).
Os denunciantes também informaram que os vizinhos disseram que ele ficava sozinho, tem sua capacidade de andar comprometida, vive trancado dentro da residência e somente lhe sendo servido pão e água, inclusive haveria indícios de que o idoso estaria sendo mantido em cárcere privado pelo irmão.
Diante desse quadro, O MP destacou ser evidente a necessidade de uma intervenção adequada do Poder Público, no sentido de proteção aos direitos do idoso, já que a ele deveria ser garantida a proteção integral, o que não vem ocorrendo, já tendo os próprios familiares se manifestado favoravelmente ao acolhimento institucional, por não possuírem condições de atender às necessidades básicas do ancião.
Em primeira instância, a Justiça determinou que o Município de João Câmara, através da Secretaria de Assistência Social, viabilizasse, no prazo de dez dias, o acolhimento institucional de um idoso em instituição de longa permanência para idodos a critério da Municipalidade. Foi proposta, como opção, o abrigo “Casa de Caridade São Vicente de Paula”, situado em Ceará Mirim, ou outra, podendo a instituição ser pública, filantrópica ou privada com fins lucrativos.
João Câmara
O Município de João Câmara recorreu e, no recurso, com pedido de efeito suspensivo, afirmou que o juiz não poderia ter efetivado direito sem que existam meios materiais para tanto, sob pena de esvaziamento de outras pretensões materiais.
O ente público enxerga conflito entre esse dever de o Estado garantir a saúde e alimentação ao cidadão, frente ao princípio constitucional da legalidade orçamentária, que encontra sua base empírica no art. 167 e incisos, ou seja, toda e qualquer despesa pública há que estar de uma forma ou de outra prevista em lei orçamentária, sob pena da própria nulidade do gasto.
Acrescentou o poder público que o pedido não conta com a anuência do próprio interessado, o que conflita com o seu direito à dignidade à liberdade. Por fim, pediu a concessão da suspensividade ao recurso e requereu a reforma da decisão.
Decisão
Para o relator do processo, desembargador Cláudio Santos, apesar dos argumentos do Município de João Câmara, estes não devem prosperar porque a Constituição Federal prevê que o direito à vida e à saúde representam “direitos e garantias fundamentais”, de aplicação imediata e eficácia plena, bem como que a Constituição Federal impõe a corresponsabilidade da família, da sociedade e do Estado no dever de amparar as pessoas idosas.
“Logo, o Poder Público não pode se furtar ao dever de prestar efetiva assistência à saúde dos cidadãos, sendo que o direito à saúde e à integridade física deve se sobrepor aos formalismos adotados na disponibilização de tratamento ou de medicamento”, comentou.
Ele destacou que, no caso, o órgão ministerial baseou o pedido no resultado obtido após amplo inquérito e acompanhamento do idoso, encontrando-se amparado em provas de que o ancião está em situação de risco, pela ausência de prestação de assistência dos poucos familiares, bem como por sua aparente falta de discernimento, situação fático-jurídica que justifica a medida deferida pelo juízo de primeiro grau de acolhimento compulsório do idoso em instituição de longa permanência para idosos.
“Conclui-se, portanto, que não pode o Poder Público defender o não cumprimento da obrigação constitucional sob a invocação da ofensa ao princípio da legalidade orçamentária, especialmente quando essa atitude resultar em grave lesão a direitos fundamentais constitucionalmente assegurados”, concluiu.
(Processo nº 0806140-24.2019.8.20.0000)