Por Kennedy Diógenes, advogado e escritor.
A legislação eleitoral, mormente depois da redemocratização, lá nos idos da década de 1980, vem se aperfeiçoando a cada eleição, tendo, como meio, as minirreformas que alteram o arcabouço jurídico com o fim de manter a higidez do processo eleitoral e a transparência dos resultados das urnas, buscando fazer valer a vontade clara e espontânea do eleitor.
Apesar desta praxis legislativa, raras eleições surpreendem pelo ineditismo em que desenrolam, tal qual a eleição de 2020 – a chamada eleição tardia – que teve seu calendário eleitoral alterado e várias regras de saúde adotadas em face do flagelo mundial da covid 19.
Quase quatro anos depois, às vésperas do ano eleitoral de 2024, outra surpresa: Senado e Câmara Federal não entraram em acordo e a minirreforma eleitoral de 2023 não saiu, impingindo ao Tribunal Superior Eleitoral a publicação de várias normas para a campanha em curso, notadamente as que regulam a inteligência artificial, deepfakes e candidaturas laranjas, dentre outras.
Eis que, depois das convenções partidárias e período de registro de candidatura dos prefeitos, vices e vereadores dos 5.569 municípios brasileiros, há mais um sobressalto no regime jurídico eleitoral, este advindo da promulgação da Emenda Constitucional n. 133, de 22 de agosto de 2024, que trouxe, dentre outras, mudanças para candidaturas de pessoas pretas e pardas, ampliação da aplicação do fundo partidário e refinanciamento de débitos dos partidos políticos.
Embora não se fale em princípio da anualidade quando se trata de norma constitucional, a verdade é que, com vigência imediata, a EC 133 muda as regras com “a bola rolando”, passando a valer agora, no meio destas eleições de 2024.
Com isso, passa a ser constitucional a aplicação obrigatória de 30% dos recursos dos fundos Eleitoral e Partidário em candidaturas de pessoas pretas e pardas, tendo, os partidos políticos, anistia no descumprimento anterior desta regra, desde que, haja a aplicação dos recursos que deixou de repassar para estas candidaturas nas 4 eleições subsequentes, a partir de 2026.
Além disso, a EC 133 reforçou a imunidade tributária dos partidos políticos e instituiu o Programa de Recuperação Fiscal (Refis), inclusive para seus institutos e fundações, para que regularizem seus débitos com isenção dos juros e das multas acumulados, parcelando-os em até 180 meses.
Neste particular, os partidos foram contemplados com a ampliação da possibilidade do uso do fundo partidário para parcelamento de sanções e penalidades de multas eleitorais, de sanções e débitos de qualquer natureza, inclusive para devolver recursos públicos ou privados quando houver sobra ou não tiverem origem identificada, excetuando-se os de fonte vedada.
Destaque-se que os recursos do fundo partidário poderão ser utilizados entre instâncias do mesmo partido, como o nacional pagando conta do estadual, por exemplo, e cobrirão processos de prestação de contas de exercícios financeiros e eleitorais, independentemente de terem sido julgados ou de estarem em execução, mesmo que transitados em julgado.
Por fim, a prestação de contas também foi impactada pela emenda, pois passa a ser dispensada a emissão do recibo eleitoral para doação dos fundos eleitoral e partidário por meio de transferência bancária feita pelo partido aos candidatos e às candidatas, e de doações recebidas por meio de PIX por partidos, candidatos e candidatas.
Diante destas mudanças legislativas, e passando ao largo do debate acerca da pertinência ou não dos temas abordados pela emenda, o que sinaliza como alerta para os atores das eleições é a inconveniência de se mudar as regras no meio do jogo, atingindo, por mais bem intencionada que seja, a segurança jurídica do processo eleitoral.