Ao julgar recurso especial interposto pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ), a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que a violação de direitos individuais homogêneos, reconhecida em ação civil pública, não é causa para a indenização por dano moral coletivo.
No caso analisado pelo colegiado, consta dos autos que uma rede varejista disponibilizou a seus clientes o prazo de sete dias úteis, a contar da emissão da nota fiscal, para a troca de produtos com defeito.
O MPRJ, alegando que o prazo imposto pela empresa aos consumidores é abusivo, por diferir do previsto no artigo 26 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), ajuizou ação civil pública pleiteando o pagamento de danos morais coletivos, em virtude de suposta lesão aos direitos da personalidade dos consumidores.
Na primeira instância, o juiz reconheceu a lesão ao direito dos consumidores e determinou a adequação da rede varejista aos parâmetros previstos no CDC para a troca de produtos com vício, sob pena de multa.
Determinou, ainda, o pagamento de indenização por danos materiais e morais individuais aos consumidores lesados, mediante apuração em liquidação de sentença. Porém, em relação aos danos morais coletivos, o pedido não foi acolhido, ao fundamento de que não houve violação aos valores coletivos dos consumidores em geral. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) manteve a sentença.
Antijuridicidade
No recurso ao STJ, o MPRJ asseverou que a demonstração do dano moral coletivo deve se ater à constatação da antijuridicidade da conduta, conjugada com a ofensa ao bem jurídico protegido por lei.
Sustentou que o aspecto mais importante, ao se decidir pela configuração dos danos coletivos, seria impedir que futuramente essa ou outras empresas lesassem os consumidores com cláusulas abusivas de exclusão de responsabilidade.
E defendeu que a classificação doutrinária em direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos não pode ser determinante para o afastamento, inicialmente, de eventual direito indenizatório, pois a conduta ilícita pode causar, ao mesmo tempo, um dano em relação a toda a coletividade e um dano determinado em relação a uma pessoa específica pertencente a essa coletividade.
Interpretação sistemática
Em seu voto, o relator do recurso, ministro Luis Felipe Salomão, explicou que as disposições do CDC que tratam das ações coletivas para a defesa de interesses individuais homogêneos e a Lei 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública – LACP) formam, em conjunto, “um microssistema próprio do processo coletivo de defesa dos direitos do consumidor, devendo ser, portanto, interpretadas sistematicamente”.
“Sendo certo que a defesa dos interesses e direitos dos consumidores poderá ser exercida em juízo a título individual ou coletivo (artigo 81 do CDC), esse mesmo diploma legal e a Lei 7.347/1985 aplicam-se reciprocamente (naquilo que lhes for compatível) no tocante às ações voltadas para a defesa de direitos individuais homogêneos, coletivos ou difusos, sempre que a situação subjacente disser respeito a direitos do consumidor”, afirmou o relator.
Dessa forma, destacou que é cabível o ajuizamento de ação civil pública, por qualquer dos legitimados, para garantir a efetiva reparação de danos patrimoniais e morais – individuais, coletivos e difusos – causados ao consumidor.
Valores coletivos fundamentais
O ministro declarou que o dano moral coletivo é aferível in re ipsa (presumido), de forma que sua configuração decorre da mera apuração da prática de conduta ilícita que viole direitos de conteúdo extrapatrimonial da coletividade de maneira injusta e intolerável, sendo dispensável a demonstração de prejuízos concretos ou de efetivo abalo moral.
Ele ressaltou ainda que não se trata do número de pessoas concretamente prejudicadas pela lesão em certo período, mas sim do dano decorrente da conduta antijurídica, que deve ser “ignóbil e significativo”, de modo a atingir valores e interesses coletivos fundamentais.
Discordando da tese levantada pelo MPRJ, Salomão consignou que os danos morais coletivos têm como destinação os interesses difusos e coletivos, e não os individuais homogêneos, cujos titulares são pessoas determinadas. “O dano moral coletivo é essencialmente transindividual, de natureza coletiva típica”, apontou o ministro.
Por essa razão – acrescentou –, a condenação em danos morais coletivos tem natureza eminentemente sancionatória, e o valor da indenização é arbitrado em prol de um fundo criado pelo artigo 13 da LACP, enquanto na violação de direitos individuais homogêneos, que leva à fixação de danos morais cujos valores se destinam às vítimas, há uma condenação genérica, seguida pela liquidação prevista nos artigos 97 a 100 do CDC.