“Ademais, saliento que somente aquele que vivencia conhece a dor, pra não dizer pavor, de permanecer encarcerado injustamente, além de todas as consequências provenientes de tal fato”. Foram com estas palavras do desembargador Vivaldo Pinheiro que a 3ª Câmara Cível, à unanimidade de votos, negou recurso e manteve a sentença da 5ª Vara da Fazenda Pública de Natal que condenou o Estado do Rio Grande do Norte a pagar a um montador de móveis o valor de R$ 50 mil, a título de indenização por danos morais, por ter sido vítima de uma prisão ilegal efetivada por policiais militares em meados de 2016.
O caso
Segundo o autor da ação, no dia 18 de agosto de 2016, ele foi preso em suposto estado de flagrante por estar de carona em automóvel com duas pessoas acusadas de subtraírem de forma violenta, em uma parada de ônibus, o aparelho celular de uma vítima.
Ele afirmou que no dia do fato foi à casa de um dos dois acusados para desmontar alguns móveis, pois iria mudar de residência e no final da tarde esperou que o cliente passasse para lhe dar uma carona de volta para casa, oportunidade em que foi efetuada sua prisão.
Informou que permaneceu preso por três meses e 25 dias, sendo 24 dias no CDP da Ribeira, onde os presos estavam no castigo, vindo o autor a ficar no castigo com eles, e 91 dias no Presídio Raimundo Nonato Fernandes, onde adquiriu zincas (mucosas), doenças de pele como furúnculos por todo o corpo.
Salientou que a acusação sofrida foi objeto da Ação Penal que tramitou na 7ª Vara Criminal de Natal, com sentença transitada em julgado em 27 de janeiro de 2017, na qual foi absolvido. Por tais razões, requereu a procedência dos pedidos para condenar o Estado ao pagamento de danos sofridos.
Recurso
Na primeira instância, ele obteve a condenação do Estado do Rio Grande do Norte para que lhe pague o valor de R$ 50 mil, título de indenização por danos morais. O Estado recorreu alegando que não houve desacerto da autoridade policial, nem excesso, ao prender em flagrante todos os indivíduos encontrados no mesmo veículo onde se encontrava o objeto roubado.
Reforçou que “não remanesce motivação para condenar o Estado a beneficiar o autor com uma compensação pecuniária, vez que não se vislumbra a ocorrência de uma prisão ilegal, de uma denúncia temerária e de um processamento injusto”.
Destacou que “a mera absolvição criminal, quando evidente que não houve qualquer excesso ou abuso no exercício do jus persequendi, não faz surgir o dever de indenizar.” Além do mais, criticou o valor indenizatório fixado, por considerá-lo excessivo.
Decisão
Para o desembargador Vivaldo Pinheiro, ficou claro que o autor foi preso por crime que não cometeu, permanecendo encarcerado pelo período de 3 meses e 25 dias, quando foi absolvido no julgamento da respectiva ação penal.
Ao analisar os autos, ele concluiu que o Estado não tem razão, diante dos detalhes descritos no processo. Isso porque, segundo ele, ficou nítida a ilegalidade na manutenção da prisão do autor por intervalo de tempo consideravelmente longo, em se tratando de pessoa inocente.
Entretanto, o relator esclareceu que, logicamente, o fato de o autor estar na companhia dos verdadeiros autores do crime, em veículo no qual se encontrava a arma usada para constranger a vítima e o objeto roubado retrata que os policiais agiram de acordo com os comandos legais ao prendê-lo em flagrante, pois havia indícios de materialidade e autoria naquela ocasião.
Contudo, explicou que, realizada toda a persecução penal, o autor permaneceu preso por largo período de tempo, mesmo sendo inocente, fator mais que suficiente para caracterizar o dano moral sofrido. Logo, concluiu que, desde o início, havia evidências da inocência do autor, condição essa que deveria ter sido considerada e melhor investigada pelos responsáveis.
“Desse modo, o autor teve sua liberdade tolhida ilegalmente, permanecendo preso por quase 4 meses, o que por si só revela ofensa à sua dignidade, à sua honra perante a sociedade e danos de ordem moral, diante da angústia, sofrimento, revolta e tristeza inevitavelmente experimentados, ao ter sua liberdade sacrificada injustamente”, finalizou o desembargador Vivaldo Pinheiro em seu voto.
(Processo nº 0819924-71.2017.8.20.5001)