Na última sexta-feira (10), o procurador-geral da República, Augusto Aras, propôs a criação de um banco nacional de informações sobre acordos de colaboração premiada. A ideia é que o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), do qual Aras é presidente, e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) elaborem resolução conjunta nos mesmos moldes da que regulamenta os já existentes cadastros nacionais de informações de ações coletivas, inquéritos e termos de ajustamento de conduta (Resolução CNMP/CNJ 2/2011).
A manifestação do procurador-geral se deu na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 919, de autoria do Partido dos Trabalhadores (PT). Na ação, a agremiação questiona trechos da Lei 12.850/2013 (Lei das Organizações Criminosas) e alega violação do texto constitucional. O Ministério Público Federal (MPF) posiciona-se, preliminarmente, pelo não conhecimento da ação e, no mérito, pela improcedência dos pedidos. O processo está sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes.
Ao refutar todas as alegações da agremiação partidária a respeito das supostas inconstitucionalidades nos dispositivos que disciplinam a colaboração premiada, Aras enfatiza que, de modo a garantir maior transparência aos atos envolvendo o instituto jurídico, seria salutar a criação de um repositório dos dados relativos às colaborações. “As colaborações são um instrumento importante para a elucidação de crimes complexos e também para a recuperação de recursos retirados dos cofres públicos em decorrência de atividades criminosas. Temos feito colaborações com esse foco: que incluam sanções financeiras e com restrições de liberdade e sobretudo, que permita o Ministério Público avançar ou instaurar novas frentes de investigação”, pontuou Augusto Aras, ao determinar tratativas para a criação do cadastro.
ADPF 919 – O autor da ação aponta algumas hipóteses de supostas inconstitucionalidades relacionadas ao instituto da colaboração premiada. As violações, segundo o partido, diriam respeito à colaboração premiada apenas como meio de obtenção de prova; à apresentação de alegações finais por último pelo corréu delatado; limitações de cláusula das colaborações premiadas; a chamada “delação venal”, quando o colaborador firma o acordo sob promessa de recompensa de terceiro; e possibilidade de impugnação dos acordos por terceiros. Ainda questiona trechos da lei acerca do “emprego de medidas cautelares privativas de liberdade para pressionar o réu a colaborar” e que “permitiriam que o colaborador tardio, ou seja, aquele que decide colaborar com a persecução penal apenas depois da sentença condenatória, seja beneficiado com a progressão de regime de cumprimento da pena”.
Ao se manifestar no caso, preliminarmente, Augusto Aras afirma que a ação não preenche os requisitos de admissibilidade, e, por essa razão, não deve ser conhecida. Segundo ele, o pedido descumpre a chamada regra da subsidiariedade, segundo a qual não será conhecida ADPF quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade. “Veja-se que todos os pedidos constantes da petição inicial são de declaração de constitucionalidade de dispositivos da Lei 12.850/2013. Caberia, portanto, em tese, o manejo da ação declaratória de constitucionalidade”, adverte o procurador-geral.
Augusto Aras também refutou a pretensão da legenda para conferir interpretação conforme à Constituição dos diversos dispositivos da Lei 12.850/2013. O PGR explica que a técnica de interpretação conforme à Constituição é cabível quando o texto da lei é polissêmico ou plurissignificativo. Ou seja, se houver mais de uma interpretação, uma delas mostra-se compatível com a Constituição Federal. Mas o dispositivo legal permanece hígido no ordenamento jurídico, afastando-se apenas as interpretações conflitantes com o texto constitucional. “Não é dado ao aplicador do direito, a pretexto de interpretar determinada lei conforme à Constituição Federal, dar-lhe sentido que não tem suporte na letra da lei”, argumenta.
O procurador-geral acrescenta que o partido requerente não apresentou nenhum argumento que infirme a constitucionalidade dos diversos dispositivos da Lei 12.850/2013. E que na verdade, pretende-se incluir nos dispositivos legais normas novas, não previstas ou desejadas pelo legislador.
Em seu entendimento, o ponto central dos acordos é o controle, tanto judicial quanto interno (pelos órgãos superiores do Ministério Público). A Lei 13.964/2019 (conhecida como Pacote Anticrime) potencializa a atribuição da magistratura no controle da regularidade e legalidade dos acordos de colaboração premiada. “Os acordos de colaboração premiada hão de receber também focada atenção dos órgãos de controle do próprio Ministério Público, sem significar interferência na independência funcional dos membros do MP, mediante atuação dos órgãos de coordenação, a disciplinar (e fiscalizar) o correto manejo desse importante instrumento jurídico-processual”, complementa o PGR.