Decisão da Vara Única da Comarca de Almino Afonso condenou o Estado do Rio Grande do Norte, na obrigação de fazer, à retirada de presos, provisórios ou condenados definitivamente, das delegacias de polícia dos municípios de Almino Afonso, Frutuoso Gomes, Lucrécia e Rafael Godeiro, abrangidos pela comarca, caso ainda exista algum detento nessa condição, no prazo de 30 dias. Além disso, estipulou ao Estado obrigação de não fazer, no sentido de não custodiar novos presos nas referidas dependências, salvo nas hipóteses de prisão em flagrante, pelo prazo legal, ou para a adoção de providências cautelares, devendo, após os atos de estilo, serem transferidos para estabelecimentos prisionais administrados pela Coordenadoria de Administração Penitenciária do Estado (COAPE).
O pronunciamento de primeira instância é do juiz da comarca, Pablo de Oliveira Santos, para o qual “apresenta-se imperioso o assentamento judicial atinente à obrigação de fazer relativa à necessidade de transferência de presos provisórios e definitivos para estabelecimentos prisionais adequados, não apenas à sanção imposta, mas sim às particularidades pessoais do preso, em atenção ao regime de cumprimento da pena e da possibilidade de desenvolvimento de atividades úteis à recondução do recluso ao convívio social”, ressalta o magistrado. A medida judicial também determina a obrigação de não fazer relativa à vedação de ingresso de novos presos em unidades não destinadas ao encarceramento.
O julgador recorda, também, que o sistema penitenciário brasileiro é, historicamente, alvo de seguidas omissões pela Administração Pública, tendo sido reconhecido como em permanente “estado de coisas inconstitucional”, por via da ADPF 347, onde se buscou um comprometimento jurídico dos entes envolvidos para tentar corrigir o degradante estágio de desumanidade que impera nos presídios do país.
“Contudo, o histórico descompromisso da Administração Pública para com a população carcerária não pode servir de óbice para que as tímidas melhorias almejadas por meio de ações judiciais sejam suplantadas pela insindicabilidade do mérito administrativo, ao risco de contrariar a própria noção de interesse público, vetor que norteia a atividade administrativa, infringir a legislação de regência e exonerar o administrador de cumprir ordem legal”, frisa o juiz Pablo de Oliveira Santos.
Desvio de finalidade
O Ministério Público do Rio Grande do Norte requereu a condenação do Estado em obrigação de fazer, no sentido da retiradas de todos os presos custodiados nas delegacias de polícia de Almino Afonso, Frutuoso Gomes, Rafael Godeiro e Lucrécia, e que não promova a custódia de novos presos em estabelecimento que não seja específico para esta finalidade. O órgão fiscal da aplicação da lei expôs que a partir das investigações realizadas no Inquérito Civil n° 008/2011, foi apurado corriqueiro desvio de finalidade nas delegacias de polícia do Estado, que estão servindo como verdadeiros estabelecimentos penais, devido à insuficiência de vagas no sistema prisional, circunstância que denota patente ilegalidade. Observou o MPRN que os referidos ambientes não são destinados para o acautelamento de presos, “representando, ainda, inequívoco desvio de finalidade dos policiais civis e militares, que estão atuando como agentes penitenciários”.
Citado, o Estado apresentou contestação, alegando, preliminarmente, a ausência de interesse de agir do MPRN, argumentando inexistir presos, provisórios ou definitivos, nas delegacias de polícia. No mérito, sustentou genericamente a impossibilidade de revisão do mérito administrativo, requerendo a improcedência dos pedidos autorais.
Ao proceder a réplica, o Órgão Ministerial reafirmou os termos da ação inicial, requerendo a rejeição da tese preliminar do Estado, haja vista que a remoção dos presos para estabelecimentos adequados só ocorreu após o deferimento da tutela de urgência. Requereu, ademais, o julgamento antecipado do mérito. O Estado demandado informou que não há mais provas a serem produzidas.
O juiz salienta em sua decisão que a tutela perseguida por meio da presente ação civil pública não adentra no mérito administrativo estatal, nem representa indevida intervenção judicial em estabelecimento de política pública estatal, a redundar em malferimento ao princípio constitucional da separação dos poderes, “isso porque afigura-se plenamente admissível a interferência do Poder Judiciário em situações de patente violação a direitos fundamentais reconhecidamente essenciais, como na hipótese dos autos”, pontua.
Ele reforça que representa inegável prejuízo para os serviços desenvolvidos pelas instituições policiais, seja civil ou militar, desviar a atuação de seus profissionais para a custódia de presos, “em detrimento de suas funções essenciais de investigação criminal e repressão às práticas delitivas”, assim como desvirtuar a natureza de seus estabelecimentos para acomodar presos sem qualquer estrutura ou segurança.
(Ação Civil Pública n° 0100539-03.2015.8.20.0135)