Na hipótese de haver guardião legal, mas os genitores ainda possuírem o poder familiar, a representação processual do menor deverá ser feita por um dos pais. Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento ao recurso em que um menor, representado por sua guardiã, pedia que ela fosse a sua representante processual em ação de investigação de paternidade.
O recurso teve origem em ação ajuizada pelo menor, representado pela guardiã, contra o pai biológico, para afastar a relação paterno-filial, ao fundamento de que haveria dúvidas quanto à existência de vínculo genético entre as partes.
Em primeiro grau, a ação foi extinta sem resolução de mérito sob o entendimento de que a guardiã não poderia representar judicialmente o autor, uma vez que a mãe não foi destituída do poder familiar. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) negou provimento à apelação afirmando que o exercício da guarda não outorga ao guardião, de forma automática, o direito de representar o menor em juízo. A corte não verificou situação excepcional que conferisse ao guardião a representação do menor.
No recurso dirigido ao STJ, alegou-se que a genitora, ainda que não tenha sido destituída do poder familiar, não mais exerce a guarda fática ou jurídica – o que inviabilizaria a representação processual do menor por ela.
Circunstâncias excepcionais
Ao citar dispositivos do Código Civil e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, explicou que a representação legal do menor – uma das vertentes do pleno exercício do poder familiar – deverá ser exercida, em regra, pelos pais.
Contudo, ela lembrou que há situações em que o menor não poderá ser representado por eles, como quando houver a destituição do poder familiar; quando estiverem ausentes ou impossibilitados de representar adequadamente o menor, ou, ainda, quando houver colisão de interesses entre pais e filhos.
Segundo a ministra, por constituírem exceções à regra geral prevista no artigo 1.634, VII, do Código Civil, essas situações devem ser interpretadas restritivamente, permitindo-se apenas em hipóteses excepcionais que o menor seja representado por pessoa distinta de seus pais.
A ministra explicou que o curador é nomeado nas situações de colisão de interesses entre pais e filhos, ou mesmo para suprir a ausência eventual dos primeiros. No caso em análise, ela observou que a guarda do menor concedida a terceiro é de natureza permanente, nos moldes do artigo 33, parágrafo 2°, primeira parte, do ECA.
“Contudo, o fato de ter sido concedida a guarda permanente a terceiro que não compõe o núcleo familiar não pode implicar automática destituição – ou injustificada restrição – do exercício do poder familiar pela genitora, sobretudo porque medida dessa espécie não prescinde de cognição exauriente em ação a ser proposta especificamente para essa finalidade”, afirmou.
Investigação cuidadosa
Nancy Andrighi ressaltou que nada impede o ajuizamento da ação pelo menor representado por sua mãe biológica. “Sublinhe-se que, em se tratando de ação investigatória de paternidade, a eventual inércia da genitora (justamente quem suscitou a dúvida acerca do vínculo genético, segundo narrado na petição inicial) poderá ainda ser suprida pelo Ministério Público, cuja atuação é marcada pela neutralidade e pela incessante busca do melhor interesse do menor, bem como, excepcionalmente, até mesmo pela própria guardiã, mas desde que presentes circunstâncias excepcionais que justifiquem a concessão a ela de poderes de representação judicial”, acrescentou.
A ministra ainda ponderou que, de acordo com o acórdão do TJDFT, houve regulamentação de visitas ao menor pela avó paterna, devendo ser investigadas, de modo cuidadoso, a existência de eventual vínculo socioafetivo que tenha sido criado com ela, bem como a possibilidade de prejuízos ao menor em virtude de uma hipotética ação temerária ou infundada de sua guardiã.
O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.