A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, concluiu, nesta quarta-feira (6), seu voto em duas ações relativas ao desmatamento na Floresta Amazônica. Relatora da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 760 e da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 54, ela concluiu que a situação está em nível grave de inconformidade com a Constituição. O julgamento foi suspenso por pedido de vista do ministro André Mendonça, mas o Plenário, nesta quinta-feira (7), deverá julgar outras quatro ações (ADPFs 735 e 651 e ADIs 6148 e 6808) da chamada “pauta verde”, relativas a questões ambientais.
Plano específico
A ministra votou para que se determine que a União, os órgãos e as entidades federais competentes apresentem ao STF, em até 60 dias, um plano específico com medidas a serem adotadas para a retomada de atividades de controle da fiscalização ambiental e combate de crimes no ecossistema, resguardando os direitos dos povos indígenas. O plano deve conter um cronograma com metas, objetivos, prazos, monitoramento, dotação orçamentária e demais informações necessárias para um planejamento até dezembro de 2023.
Redução da fiscalização e controle ambiental
A ministra abordou as principais questões apresentadas nas ações. A primeira diz respeito à redução da fiscalização e do controle ambiental, relacionada à alegada atuação estatal deficiente. De acordo com a relatora, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) não negou a diminuição da fiscalização ambiental, mas elencou, entre os motivos, a pandemia, a redução de pessoal e a precarização da infraestrutura.
No entanto, a relatora constatou que, diferentemente do que alegaram as autoridades responsáveis, os dados contidos nos autos evidenciam aumento das áreas desmatadas, crimes ambientais e crimes contra direitos humanos, especialmente relacionados a indígenas e moradores das florestas. “O resultado dos estudos técnicos comprova ter havido aumento da distribuição da floresta e diminuição da capacidade fiscalizatória do Estado”, afirmou.
Política ambiental ineficiente
Segundo a ministra, a atual política pública ambiental se mostrou insuficiente e ineficiente, diante do comprovado aumento das queimadas e do desmatamento na Amazônia Legal de 2019 a 2021. O quadro estrutural, a seu ver, é de ofensa massiva, sistemática e generalizada dos direitos fundamentais ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, à saúde e à vida digna.
Engodo administrativo
No seu entendimento, o que se tem, no caso, é apenas a aparência de uma ação que, na prática, não se relaciona com a eficiência administrativa fiscalizatória, constituindo o que chamou de “engodo administrativo”. “É o estado teatral em matéria ambiental”, afirmou. “Faz de conta que faz algo, mas é mentira”. Para a relatora, é fundamental observar os resultados obtidos nas operações de fiscalização, e não apenas a quantidade de operações realizadas.
Abandono do PPCCDAN
Além disso, a relatora verificou que o governo federal, de forma não expressa, realizou o desmonte do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), de modo a tornar inoperante a execução das políticas públicas de combate ao desmatamento. A adoção de novo planejamento ambiental, segundo ela, deve trazer soluções efetivas para o enfrentamento do problema.
A seu ver, a Constituição Federal não permite que, após o avanço de um determinado plano, seja apresentado outro e desmontado o anterior, “o que permite que cheguemos a taxas de mais crimes praticados naquela área da Amazônia, que é protegida constitucionalmente”. De acordo com Cármen Lúcia, não se questiona a possibilidade de mudança, mas o novo plano não pode ser um retrocesso em relação ao que já foi conquistado.
Ponto de não retorno
Com base em estudos técnicos, a ministra observou que os níveis de desmatamento da Amazônia aproximam o bioma do ponto de não retorno, quando não haverá mais possibilidade de recuperação dos danos. Segundo ela, em matéria ambiental, deve ser adotado, como princípio obrigatório, o que se comprovar necessário estancar a devastação das florestas.
Inércia e falta de vontade política
Para ela, as diversas falhas estruturais nas políticas de controle do desmatamento da Amazônia e de garantia de respeito aos povos indígenas, bem como a ausência de fiscalização para execução adequada do orçamento, demonstram a inércia e a falta de vontade política de cumprir fielmente a Constituição.
De acordo com a ministra Cármen Lúcia, cabe ao Judiciário assegurar a efetividade das normas de proteção ao meio ambiente, diante da alta relevância da defesa dos biomas e das respectivas populações e observados os indicadores oficiais, que apontam aumento recorde de incêndios, mudanças negativas do clima, crescimento do desmatamento e da grilagem de terras e ausência de fiscalização eficaz.
Retrocesso ambiental
A seu ver, além da diminuição de ações ambientais, do abandono do PPCDam e da inexecução orçamentária, a redução de recursos para projetos ambientais, a desregulamentação e a falta de fornecimento de informações também caracterizam retrocesso inadmissível ambiental.
Estado de coisas inconstitucional
Ao concluir sua manifestação, a ministra reconheceu o estado de coisas inconstitucional, tendo em vista a extrema gravidade e a urgência da questão e a insuficiência das justificativas das autoridades.
Ainda não há data prevista para a retomada do julgamento.
Leia a íntegra do voto da ministra Cármen Lúcia na ADPF 760.