O Congresso Nacional derrubou, nesta quinta-feira (10), os vetos à lei que cria o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual (Lei 14.214). O veto foi derrubado por 64 votos a 1 no Senado e por 425 votos a 25 na Câmara dos Deputados. Um dos dispositivos vetados e agora retomados na lei é o que prevê a distribuição gratuita de absorventes higiênicos para estudantes de baixa renda e pessoas em situação de rua.
A derrubada do veto envolveu meses de mobilização das parlamentares e também de organizações da sociedade, que classificavam o veto como um ato contra as mulheres. O projeto que deu origem à lei (PL 4.968/2019), da deputada Marília Arraes (PT-PE), havia sido aprovado com o objetivo de combater a precariedade menstrual, que significa a falta de acesso ou a falta de recursos para a compra de produtos de higiene e outros itens necessários ao período da menstruação.
No veto a seis trechos do projeto, o presidente Jair Bolsonaro usou como argumento a falta de previsão de fontes de custeio e incompatibilidade com a autonomia dos estabelecimentos de ensino. Nesta semana, às vésperas da votação do veto, ele assinou decreto que prevê a proteção da saúde menstrual e a distribuição gratuita de absorventes e outros itens de higiene.
Para a senadora Zenaide Maia (Pros-RN), que foi relatora do projeto no Senado, os parlamentares não podem se iludir com o decreto presidencial, porque o dispositivo não torna o combate à pobreza menstrual uma política de Estado. Além disso, ela apontou que o decreto diminui a quantidade de mulheres atendidas pela iniciativa.
— A gente tem que derrubar por inteiro o veto da pobreza menstrual. Não se iludam com essa história de decreto, essa política tem que ser Estado. Claro que uma lei tem muito mais poder do que um decreto, que a qualquer hora o presidente pode derrubar. Eu acho sim uma falta de respeito ao Congresso — disse a senadora.
A autora do projeto, deputada Marília Arraes, classificou a derrubada do veto como uma reparação a uma violência do governo contra as mulheres. Para ela, a retomada dos trechos vetados significa uma diferença significativa nas vidas de meninas e mulheres, em um tema que sempre ficou de fora das discussões pela falta de oportunidade para mulheres em espaços de poder.
— Estamos fazendo uma reparação pelos anos em que esse assunto foi escondido, guardado ali numa caixa. Uma reparação à violência que tantas meninas e mulheres passaram ao ver esse projeto vetado e com todas as justificativas mais esdrúxulas no mundo. O presidente falou todo tipo de atrocidade e, de repente, ele aparece como se fosse salvar o mundo com um decreto, que, além de não ter concretude, não tem segurança — disse a deputada.
Decreto
Durante a votação, a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), alertou que o decreto é uma armadilha. Ela lembrou que esse tipo de dispositivo não tem a perenidade de uma lei e pode ser desfeito facilmente. Além disso, ela apontou artigo do decreto que condiciona a execução à disponibilidade orçamentária e financeira, o que na opinião da senadora, pode ser um meio para justificar a falta de regularidade na distribuição.
— Jornal, miolo de pão, tecido. Esses são alguns dos instrumentos que as nossas adolescentes do Brasil utilizam como absorvente durante o período menstrual. Esses números realmente são preocupantes: em média, 26% de nossas adolescentes, em algum momento do período escolar, faltam à aula exatamente pela falta do absorvente higiênico — lembrou Eliziane, que classificou o veto ao projeto como desumano.
O líder do governo, senador Eduardo Gomes (MDB-TO) afirmou que o presidente Jair Bolsonaro tem sempre buscado um entendimento com o Congresso e que tem agido com sensibilidade para acolher proposições legislativas, independentemente da autoria.
— Quando a gente, em determinados momentos da política, usa um cabo de guerra, geralmente o cabo de guerra rompe e os dois caem cada um para um lado. Desta vez não, desta vez houve uma união de todos, entendendo o momento pelo qual o país atravessa e entendendo que é necessária uma retomada. Por isso, o governo fica satisfeito em saber que houve essa compreensão e que nós avançamos juntos — afirmou.
Também falando pela liderança do governo, a deputada Celina Leão (PP-DF) afirmou que o presidente Jair Bolsonaro foi mal orientado e por isso vetou o texto. Ela concordou que o projeto, ao contrário do decreto, assegura disponibilidade de orçamento para a política pública.
— Entendemos também que a derrubada do veto garante algo que o decreto deixa um pouco vago, que é a garantia do orçamento. A lei aponta o orçamento e cria a obrigatoriedade. Falo que o que aconteceu foi uma unidade, uma unidade de forças: a força do parlamento e a força do governo, que entenderam que a dignidade menstrual é um grande tema e que precisa de ser tratado com respeito — argumentou.
Dispositivos retomados
Com a decisão do Congresso, foi derrubado o veto ao artigo primeiro do projeto, que previa “a oferta gratuita de absorventes higiênicos femininos e outros cuidados básicos de saúde menstrual”. Também é retomado o artigo terceiro, que apresentava a lista de beneficiadas, tais como estudantes de baixa renda matriculadas em escolas da rede pública de ensino; mulheres em situação de rua ou vulnerabilidade social extrema; mulheres apreendidas e presidiárias, recolhidas em unidades do sistema penal; e mulheres internadas em unidades para cumprimento de medida socioeducativa.
Outros dispositivos que foram retomados determinavam que as despesas com a execução das ações previstas na lei ocorreriam por conta das dotações orçamentárias disponibilizadas pela União ao Sistema Único de Saúde (SUS) ou pelo Fundo Penitenciário Nacional, e a inclusão de absorventes nas cestas básicas entregues no âmbito do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan).
Fonte: Agência Senado