Em um cenário de pandemia causada pela alta taxa de contágio do novo coronavírus, o engajamento de todos os atores da sociedade se faz necessário como forma de contribuir para a não propagação da doença, que já matou quase sete mil pessoas no país. Ciente de sua responsabilidade, o Poder Judiciário potiguar vem julgando com a cautela requerida, os casos concretos que chegam aos magistrados.
Exemplo desta atitude zelosa com os bens jurídicos postos em discussão é a decisão proferida pela desembargadora Zeneide Bezerra, que indeferiu pedido de liminar para que a Secretaria Estadual de Saúde realizasse, neste período de isolamento social, uma cirurgia em uma paciente que sofre com deformidade em sua coluna cervical. Por não ser um caso de extrema urgência e também para não expor a paciente ao risco de contágio pelo Covid-19 nos hospitais, a magistrada optou por indeferir o pedido para realização da cirurgia neste momento de pandemia.
O caso
A adolescente, que foi representada pela sua mãe no processo, havia ajuizado a ação afirmando ser portadora de escoliose idiopática do adolescente com curva lombar de 60 graus e torácica de 60 graus, com indicação de cirurgia para correção da deformidade, na maior brevidade possível, sob risco de piora das funções vertebrais/pulmonares, onde a curva encontra-se progressiva, conforme laudos médicos e exames conclusivos da medicina especializada.
Ela destacou que, conforme orientação médica, necessita ser internada durante sete dias, sendo dois de UTI e cinco de enfermaria/apartamento. Afirmou que, no Estado do RN, não existe nenhum hospital público que contemple os recursos tecnológicos necessários para a realização de uma cirurgia de tamanho porte e, com necessidade de equipamentos especiais, a realização deveria ocorrer em algum dos hospitais privados, como a Policlínica (Natal) e o Hospital Memorial São Francisco (João Pessoa), Promater (Natal).
Por isso, administrativamente, solicitou a realização da cirurgia à Secretaria Estadual de Saúde, que respondeu ao pleito dizendo que no momento, o Estado não tem material para realização de cirurgia de correção da Deformidade na Coluna Vertebral (escoliose) e nem profissional médico do quadro para a realização do procedimento.
Para a Justiça, a paciente reiterou que necessita ser submetida a intervenção cirúrgica com maior brevidade possível, visando preservar sua integridade física e evitar que fique acometida de piora na deformidade e sequelas definitivas. Para isto, defendeu que o requisito para deferimento do pedido está comprovado porque é do Estado a obrigação de adotar os meios necessários às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde.
Análise e decisão judicial
Ao julgar o caso, a desembargadora Zeneide Bezerra considerou que não há dúvida de que a paciente deve ter assegurado o direito à saúde (ou proteção da vida), amparado na Constituição Federal. Disse que além da patologia na coluna que a acomete estar devidamente comprovada mediante documentos subscritos por diferentes médicos, também há elementos que evidenciam a necessidade tanto de acompanhamento frequente da paciente por especialista, quanto de procedimento cirúrgico.
Entretanto, Zeneide Bezerra lembrou que, a partir de 13 de março de 2020, ou seja, em razão do cenário mundial que vinha se formando diante da pandemia do coronavírus, o Estado do Rio Grande do Norte passou a decretar diversas medidas para o enfrentamento dessa nova enfermidade (através de vários Decretos Estaduais), nas quais se incluiu a necessidade de isolamento social para se evitar um aumento vertiginoso no número de infectados pela Covid-19.
A integrante do TJRN destacou que os portadores de quadro clínico mais severo da Covid-19 têm os pulmões significativamente comprometidos, tanto assim que um dos graves sintomas e, sobretudo, mais usual em pessoas com outras comorbidades preexistentes, é a dificuldade do infectado para respirar e a necessidade, consequentemente, de internação em leitos de UTI, bem assim do uso de aparelhos respiratórios, cujos números (leito e aparelhos) são reduzidos para atender a demanda social, especialmente se a quantidade de acometidos fugir do controle.
Por isso, ao traçar este cenário, a desembargadora entendeu que, a despeito de ser provável o direito da adolescente, por ora, não há perigo de dano, especialmente diante de todas as circunstâncias destacadas na decisão. Ao contrário, no seu entendimento, autorizar o procedimento em ambiente hospitalar, agora, é expô-la, assim como a seu responsável, à possibilidade (não rara) de contrair a Covid-19, o que pode, até mesmo, contribuir para afetar ainda mais a saúde da paciente. Apesar do indeferimento da liminar, a ação segue tramitando.