Por Cláudia Santa Rosa
Em janeiro de 2019, um novo Governo foi instalado no Rio Grande do Norte e, já no final do 1º semestre, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD 2018), que revelaram tendência de crescimento do estado em todos os indicadores educacionais contemplados pelo levantamento. Sempre soube que seria necessário respeitarmos as unidades da Federação posicionadas à nossa frente, pois elas começaram a trabalhar – com foco nos estudantes – antes do RN e vêm conseguido ser persistentes em suas políticas educacionais exitosas, evitando descontinuidades. Naquele momento, enquanto a taxa de analfabetismo, por exemplo, havia subido no Distrito Federal e em quatro estados brasileiros (Mato Grosso, Paraná, Amapá e Pará), no Rio Grande do Norte ela caiu para 12,9%. Embora ainda muito alta, era a 3ª taxa mais baixa da Região Nordeste. Apenas os estados da Bahia (12,7%) e de Pernambuco (11,9%) tinham menos analfabetos do que o RN.
De acordo com a mesma PNAD 2018, o RN conseguiu aumentar as taxas de acesso à escola e aquela relativa aos anos de escolaridade da população. Com mais crianças e jovens na escola, e por mais tempo, aumentam, indiscutivelmente, as chances de conter tanto o analfabetismo absoluto quanto o funcional, especialmente se a escola tiver um projeto claro, funcionar com seu quadro de professores completo e se eles forem assíduos, se estiverem bem preparados, valorizados e motivados e, finalmente, se houver condições apropriadas para ensinar e aprender.
Segundo o Anuário Brasileiro da Educação Básica 2019, o RN, em 2018, foi o estado do Nordeste que mais matriculou jovens de 18 a 24 anos no ensino superior e o 11º no país. É claro que o desafio da educação do RN era e ainda é gigante. Não há mistério: as lacunas acumuladas nas aprendizagens geram, primeiramente, reprovações que se desdobram em distorção idade-série, abandono e, na sequência, evasão escolar. O jovem que chega aos 18/19 anos, sem concluir o ensino médio, tende a trocar a sala de aula por uma ocupação que o remunere ou, simplesmente, desencanta-se com a condição de estudante. Por isso, há urgência em se fortalecer as escolas para que sejam significativas, orientem sobre os projetos de vida dos jovens, envolvendo-os numa cultura formativa norteada por metas e tendo, por fim, resultados.
O Índice de Desenvolvimento da Educação (IDEB), apurado em 2019, mostrou que o ensino médio do RN, por exemplo, cresceu mais de 2017 para 2019 do que nos 12 anos anteriores, quando ficou estagnado na série histórica, de 2005 a 2015. Finalmente, a educação potiguar cresceu mais do que 14 unidades da federação, justamente porque avançou 11 pontos no aprendizado em Língua Portuguesa e 7 pontos em Matemática, além de ter aumentado a taxa de aprovação. Esses resultados motivaram pesquisadores de instituições nacionais a ouvirem quem estava à frente da gestão, no período 2016 a 2018. Eles quiseram entender as ações implementadas que teriam impactado nos resultados do RN de maneira tão extraordinária.
Ora, se por um lado, para alguns, as conquistas não foram tão relevantes para serem celebradas, por outro lado, não podem ser desprezadas, considerando o deslocamento positivo do estado potiguar, a curva ascendente evidenciada e o legado de iniciativas de gestão, disponível para ser continuado e fortalecido a partir do ano de 2019.
Sim, mas quais foram as principais ações implementadas de 2017 a 2018 que fizeram a Educação do RN avançar? Impossível não destacar o pioneirismo das escolas de tempo integral, inclusive as de ensino médio com um modelo pedagógico consagrado em outros estados; a expansão de uma para 62 unidades de ensino a ofertarem o ensino técnico integrado ao ensino médio, destas, oito novos Centros Estaduais de Educação Profissional (CEEPs); parcerias com instituições que fazem investimento social privado e que garantiram a formação das equipes gestoras das escolas para implementarem o circuito de gestão com foco na aprendizagem.
A convocação de mais de cinco mil profissionais, entre suportes pedagógicos e professores efetivos e temporários, para cobrirem carências históricas nas escolas foi um dos pontos altos da gestão, bem como o rigor para mantê-los nas unidades de ensino, sem desvio de função. Muitos estudantes passavam meses e até anos sem aulas de determinados componentes curriculares, inclusive Matemática e Língua Portuguesa. O querer de todos nós por resultados melhores conflitava, portanto, com os muitos anos de estagnação da educação, com as salas de aula padecendo do básico: professores. Como é que as crianças e os jovens podiam se sair bem, em exames que medem a proficiência, se passavam meses, um ano inteiro e até mais, sem professores de diversos componentes curriculares? Esse cenário mudou.
Outra ação estratégica de gestão criou a figura do assessor pedagógico, inspirada na tutoria de alunos, abrangendo 100% das unidades de ensino, um diferencial importante no acompanhamento e orientação às escolas. Trata-se do profissional de articulação junto à DIREC e demais setores da Secretaria de Educação na otimização de soluções para os problemas que afetam o desempenho pedagógico da instituição.
Em 2017, um Termo de Cooperação foi assinado com o Governo do Estado do Ceará para a Educação do RN receber formação e consultoria a respeito de como utilizar o material de alfabetização daquele Estado, que seria usado pelas crianças de 1º e 2º anos do Ensino Fundamental, inclusive extensivo às redes dos 167 municípios potiguares. Para tanto, foi criado o Projeto de Alfabetização e Letramento (ProAle), que também envolveu o material de matemática, elaborado pelo Governo do Estado de São Paulo. Todo material do projeto a ser impresso e distribuído com recursos oriundos do Governo Federal, assegurados e disponíveis em conta bancária da Educação. De baixíssimo custo, o projeto foi idealizado para ter continuidade por muitos anos, com recursos próprios, o que sedimentaria a Rede Potiguar de Alfabetizadores, já referenciada em portaria.
A Alfabetização de Jovens e Adultos também mereceu atenção especial. Foi recuperado, em 2017, o convênio com o programa federal “Brasil Alfabetizado”, no qual a Secretaria vinha destacando-se por perder prazos. Finalmente, o estado certificou pessoas alfabetizadas em dezenas de turmas, inclusive que funcionaram em presídios. O projeto “Alfabetização com Qualificação Social e Profissional”, ação do “Governo Cidadão”, viabilizado com recursos do acordo de empréstimo entre o Estado e o Banco Mundial, somou-se às demais ações que, em 2016, estavam em risco por não ter avançado na execução. Entendíamos a importância daquela iniciativa de alfabetizar pessoas residentes no campo e numa modelagem inovadora. As providências foram ultimadas e ficou tudo pronto para as 100 turmas funcionarem a partir de 2019.
O projeto #QueroAprender, que abrangeu os estudantes de 100% das escolas, preparou os jovens para o ENEM, disponibilizando material de estudos, constantemente atualizado, via aplicativo, apostilas impressas e aulões quinzenais e presenciais, em todo estado, nas cidades polos. Destacaram-se, ainda, as iniciativas de iniciação científica voltadas para os jovens, os concursos de redação, a Mostra de Cultura e Arte, ampliação dos projetos de Educação Empreendedora e lideranças jovens, entre outros.
No que diz respeito à recuperação da rede física, em 2016, pela primeira vez, foi feito um mapeamento completo das escolas, de acordo com a situação física de cada uma, identificada à luz de uma legenda (de “ótimo” para as mais conservadas até “ruim” para as mais urgentes de intervenção que somavam mais de três centenas). Até aquele momento, além dos tradicionais repasses de recursos para as próprias escolas realizarem pequenos reparos nos prédios, só havia a possibilidade de obras por dispensa de licitação ou realizadas via as morosas e burocráticas licitações, dependentes do trabalho de profissionais (engenheiros e arquitetos do quadro efetivo) que a Secretaria de Educação não os tinha em quantidade para atender a demanda. Numa iniciativa inédita, a Secretaria aderiu a uma ata do Instituto Federal do Rio Grande do Sul e contratou uma empresa para realizar serviços de manutenção nas escolas, a mesma que permanece em atividades na atual gestão. Ao lado disso, a Secretaria de Educação começou a trabalhar numa ata própria que não se tem notícia do desfecho.
Importante registrar que o maior volume de recursos do projeto “Governo Cidadão”, na Educação, foi destinado à reforma de 40 escolas e construção de cinco “escolas modelos” em áreas realmente necessárias. Em 2016, essa importante ação também estava em risco, mediante uma empresa portuguesa que havia sido contratada, por meio de licitação internacional, para elaborar os projetos arquitetônicos. Por várias razões o trabalho não prosperou. A gestão tomou a ação como prioritária e cada projeto (arquitetônico, elétrico e etc. ) concluído passou a ser motivo de celebração da equipe envolvida. No final de 2018, todos os projetos estavam elaborados, escola construída e entregue, várias escolas com obras em andamento, outras com ordem de serviço dada, lotes em fase final de licitação, o mais difícil tinha sido feito. De igual modo, os dois últimos Centros Estaduais de Educação Profissional, do programa Federal “Brasil Profissionalizado”, ficaram em construção, o do município de Assu em fase final e o de Macaíba com as obras bastante adiantadas.
Todo esse trabalho de revitalização da Educação do RN foi implementado tendo por guarda-chuva seis programas: ProFundamental, ProMédio, RN Alfabetizado, ProGestar, ProfMais e RenovEscola, cada um com seus projetos e ações, alguns mais avançados, outros menos, mas todos alinhados com o Plano Estadual de Educação (PEE).
Essas são apenas algumas das várias iniciativas concretas que nos fazem acreditar que a educação do Estado do Rio Grande do Norte reuniu as condições para avançar, mas precisariam de continuidade para além daquelas que geram placas de inauguração, fotos e publicidades. Convém refletirmos: se grandes resultados de aprendizagem não aparecem com poucos meses de trabalho, o mesmo não se pode dizer dos efeitos contrários, porque em pouco tempo é possível comprometer um trabalho com interrupções, atrasos, mudanças de rumos.
O Estado acabou de anunciar 400 milhões de recursos extras que serão investidos no programa “Nova Escola Potiguar”, sendo 280 milhões oriundos de precatórios do antigo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF), recursos que deixaram de beneficiar as escolas há 20 anos. Convém indagar: quanto será investido, agora, no ensino fundamental, etapa que deu origem aos recursos? Por que criar Institutos Estaduais de Educação Profissional se o RN já conta com Centros Estaduais de Educação Profissional e segue com dificuldades para manter as escolas? O que caracteriza um instituto de ensino e o que o diferencia de um centro e o centro de uma escola? Com qual recurso o estado irá manter os institutos que serão construídos, justamente, porque há milhões de reais extras? Por que não expandir a oferta de ensino técnico reformando e adequando algumas escolas de ensino médio já existentes? Qual é a política de recursos humanos para os institutos quando ocorre constantes déficits de profissionais nas escolas? Há demanda de alunos para matrícula nos institutos e escolas novas? Por que não priorizar, essencialmente, manter e equipar as carenciadas unidades de ensino já existentes? Por que serviços de manutenção em 100 escolas e não obras de reforma que otimizariam os recursos públicos com benefícios mais duradouros? Quando será publicada a lista com as 60 escolas que serão beneficiadas com reformas?
Finalmente, o que há de “novo” no programa “Nova Escola Potiguar”? Ora, construir prédios não é novo, prédios específicos para ofertar a Educação Profissional também não é novo no RN, reformar e fazer reparos nos prédios escolares não é novo, rede de internet para conectividade das escolas não é novo, laboratórios de informática não é uma política nova, inclusive o atual Governo dispensou 100 laboratórios que encontrou programado pelo “Governo Cidadão”; formação de professores não é novo, alfabetizar pessoas não é novo. O programa contempla, sim, algumas ações importantes e necessárias, porém, quanto a se caracterizarem como novas, infelizmente, já o fez nascer velho. O sentido de “novo” é, portanto, desnecessário, bastava o Governo valorizar e oferecer melhores condições de trabalho às equipes escolares, fazer as escolas que temos funcionarem com regularidade, dar continuidade e fortalecer os programas exitosos, afinal a Educação do RN não aguenta desperdiçar recursos para alimentar vaidades, não aguenta recomeçar, ainda mais já transcorridos dois terços do tempo de duração do atual governo.