O recorde de mortes por covid-19, no último dia 8, com 4.249 vítimas, fez com que este mês entre para a história brasileira como o abril negro, ante a quantidade assustadora de famílias em luto pela perda de seus entes queridos.
Como se não bastasse essa, que é uma das maiores ameaças da humanidade, aqui e acolá, outras tragédias familiares se atravessam em nossas vidas, adensando e desafiando a nossa capacidade de resistência e resiliência, o que nos faz sentir sozinhos e à deriva em um mar de dificuldades.
Neste último sábado (10), um amigo de mais de 30 anos nos surpreendeu com a triste notícia de que seu irmão mais novo veio a óbito, deixando-nos consternados com a perda precoce de um jovem com tantos valores e sonhos.
Não, ele não foi vítima da covid-19, mas, sim, de outra doença que se alastra como fogo em palheiro, mormente neste período de agravamento econômico, que é a violência, tendo sido alvejado por criminosos quando saía da casa da sogra, em mais uma tentativa de assalto, prática que se banaliza na capital potiguar.
Como lamentamos! Como lamentamos todas estas mortes! Tantas vidas perdidas em vão, transformadas em números frios de estatísticas que escondem, como a terra sobre os caixões, as histórias de amor, os encontros e desencontros, as conquistas profissionais, os sorrisos e as lágrimas destas pessoas que já não mais brilharão na face, ora marmórea, de olhos cerrados para sempre no palco terrestre.
É com o coração confrangido e com o gosto amargo da bílis na boca que nos perguntamos onde está o Estado. Sim, o Estado, este Corpo Político de todas as esferas da Administração Pública. Temos um pacto social, pelo qual abrimos mão de parte de nossa liberdade e recursos para dar-lhe vida em troca de nossa proteção e desenvolvimento de políticas públicas que propiciem a cada um bem-estar e felicidade.
É por este pacto que nós, brasileiros, pagamos impostos escorchantes, que nos custam 151 dias de trabalho por ano, para financiar as coisas de Estado, e que juramos cumprir a lei, ainda que esta se levante contra o trabalhador que precisa sustentar sua família, e é impedido de fazê-lo por toques de recolher ou lockdowns questionáveis.
No entanto, cadê a paga dos nossos esforços? Cadê o básico, como a educação de qualidade, a saúde eficiente e a segurança pública presente, serviços públicos estes que nada mais são do que a expressão do dever que as autoridades públicas têm para com o cidadão?
Aliás, neste momento, não se trata mais de se ter ou não um serviço público de qualidade, mas de se ter algum serviço, pois sequer temos a educação, que padece do descaso e do esquecimento dos agentes políticos, desde o início da pandemia, fechada e relegada a segundo plano, acarretando um prejuízo imensurável para esta geração de crianças e adolescentes.
Cadê a saúde e seus hospitais de campanha desmontados, que, apesar dos esforços de valorosos profissionais, foi sabotada por narrativas maliciosas e assaltada por políticos inescrupulosos, deixando um rastro de desfalques, desassistência e mortes?
E a Segurança Pública, que, de governo a governo, vem se arrastando com problemas de diversas ordens, desequipada e com profissionais desmotivados, que não consegue impedir ou desvendar crimes, ou se impor diante da ousadia dos criminosos com mais recursos?
Nenhum desses serviços básicos parece, de fato, existir para o brasileiro médio, deixando no ar um sentimento de total desamparo daqueles que deveriam assisti-lo por força legal.
Enquanto isso, os feeds das redes sociais são um desfile mortuário de postagens póstumas de seguidores, sendo a maioria vítima da covid-19. Nos perfis dos que lamentam a perda, a palavra luto é um dos top trends, encabeçando um coletivo de angustiosas despedidas.
A este respeito, há um ano, podíamos até dizer que fomos surpreendidos pela pandemia e a fatalidade os levou, mas, hoje, não. Somos vítimas do descaso, do despreparo e da arrogância dos governantes que não fizeram o seu dever de casa.
É para estes que devemos, com o dedo em riste e mandíbula travada, admoestá-los, não no sentido de culpá-los, mas no de lhes lembrar que, como representantes eleitos democraticamente, receberam a missão de cuidar do povo de forma assertiva, proba e eficiente, porém, têm falhado fragorosamente.
Devemos lembrar Suas Excelências de que são pagos, e bem pagos, para zelar pela coisa pública, que é patrimônio de todos, e de que todo o poder e recursos colocados em suas mãos devem ser utilizados para o bem da coletividade e, não, para sua satisfação pessoal ou de seus acólitos.
É triste ver homens públicos tão distantes da imagem luminosa que deve possuir todo aquele que assume, para si, o fardo de liderar a nação pelo caminho da ordem e do progresso, colocando os interesses dos outros acima e além dos seus próprios.
Como disse Platão: “Podemos facilmente perdoar uma criança que tem medo do escuro, mas a real tragédia da vida é quando os homens têm medo da luz”.
E o que se vê no Brasil são homens públicos que fogem das claridades advindas da ética, da justiça e do Direito.
Conforta-nos, por fim, que há tempo para todas as coisas debaixo do céu, como ensinou o Eclesiastes. Hoje, foi dia de sentirmos o abandono, a indignação e o pesar, mas, seguramente, haverá outro em que celebraremos a dignidade, o acolhimento e a vida.
Para todos os que perderam familiares e, em particular, ao nosso querido amigo, que Deus os ampare e os conforte neste momento de transe, tendo a certeza de que, para quem Nele crê, não há solidão ou barco à deriva que não encontre companhia e rumo em Seu amor.