A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) adotou o entendimento de que o rol de procedimentos e eventos em saúde da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), previsto na Resolução Normativa 428/2017, não é meramente exemplificativo, tratando-se de um mínimo obrigatório para as operadoras de planos de saúde. Com essa posição, o colegiado negou o recurso de uma segurada que pretendia que o plano cobrisse tratamento não incluído na lista da agência reguladora.
A segurada ajuizou ação depois que a operadora não liberou o procedimento cifoplastia – indicado pelo médico –, mas, sim, a verteroplastia – prevista na resolução da ANS. O juízo de primeiro grau determinou a cobertura do procedimento prescrito pelo médico, mas o Tribunal de Justiça do Paraná reformou a sentença, entendendo que a cifoplastia não está prevista no rol da ANS e que a verteroplastia, autorizada pela operadora, tem eficácia comprovada.
No STJ, a segurada alegou que o rol da ANS seria apenas exemplificativo, uma referência básica, e que o contrato não menciona a exclusão do procedimento desejado.
Equilíbrio econômico
Diante da relevância da matéria, o relator do recurso no STJ, ministro Luis Felipe Salomão, deu a oportunidade para que entidades interessadas – entre elas, a própria ANS – pudessem intervir na discussão na qualidade de amici curiae.
Para a agência reguladora, considerar de caráter apenas exemplificativo o rol de procedimentos previstos em seu regulamento põe em risco o equilíbrio econômico-financeiro do sistema de saúde suplementar, em razão do efeito cascata de pretensões similares à do recurso, trazendo risco à segurança jurídica.
Segundo a ANS, a Lei 9.656/1998 – que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde – atribui à agência setorial a competência normativa e regulatória para estabelecer a cobertura mínima obrigatória que os planos devem oferecer com vistas à prevenção e ao tratamento de doenças.
Com a criação da ANS, pela Lei 9.961/2000, essa atribuição lhe foi incumbida, conforme o inciso III do artigo 4°. Atualmente, o rol de procedimentos obrigatórios é atualizado a cada dois anos.
Jurisprudência
O ministro Luis Felipe Salomão lembrou que há precedentes da Terceira Turma do STJ no sentido de que a lista da ANS seria meramente exemplificativa. De acordo com esse entendimento, o fato de um procedimento não constar da lista não desobriga o plano de custeá-lo, caso seja indicado pelo médico para tratar doença prevista no contrato.
No entanto, para Salomão, considerar esse rol meramente exemplificativo “representaria, na verdade, negar a própria existência do ‘rol mínimo’ e, reflexamente, negar acesso à saúde suplementar à mais ampla faixa da população”.
Ele afirmou que o plano básico de referência, instituído pelo artigo 10 da Lei dos Planos de Saúde e regulamentado pela ANS, foi criado como um mínimo para ser acessível à grande parcela da população não atendida pelas políticas públicas de saúde.
Segundo o ministro, “o rol mínimo e obrigatório de procedimentos e eventos em saúde constitui relevante garantia do consumidor para assegurar direito à saúde, em preços acessíveis, contemplando a camada mais ampla e vulnerável da população”.
Distorções
A ideia de lista exemplificativa – ressaltou o relator –, ao contrariar os dispositivos legais que preveem o plano básico de referência e a possibilidade de contratação de outras coberturas, acaba por restringir a livre concorrência, estabelecendo “a mais ampla, indiscriminada e completa cobertura a todos os planos e seguros de saúde”.
Para Salomão, o entendimento segundo o qual a cobertura mínima não deve ter limitações definidas gera o efeito de padronizar todos os planos, obrigando-os, de forma tácita, a fornecer qualquer tratamento prescrito pelo médico – já que, para essa linha da jurisprudência, o plano pode estabelecer as doenças que terão cobertura, mas não o tipo de terapêutica.
O ministro destacou que, conforme as manifestações dos amici curiae ANS, Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor e Instituto Brasileiro de Atuária, o rol propicia a previsibilidade econômica necessária à precificação de planos e seguros de saúde.
Citando lições da doutrina, Salomão apontou que as decisões judiciais que impõem coberturas sem amparo legal podem favorecer diretamente alguns consumidores, mas causam distorções no custeio e nos cálculos atuariais das operadoras – o que encarece os planos e restringe ainda mais o acesso das pessoas mais vulneráveis à assistência médico-hospitalar.
Situações pontuais
Essas conclusões, segundo o relator, não significam que o juiz, em situações pontuais, munido de informações técnicas obtidas sob o crivo do contraditório, não possa, em decisão fundamentada, determinar a cobertura de determinado procedimento que constate ser efetivamente imprescindível.
Ele lembrou, ainda, que é possível a autocomposição entre as partes, podendo a operadora pactuar com o usuário para que ele cubra a diferença de custos entre os procedimentos do rol ou de cobertura contratual e o orientado pelo médico assistente.
Ao negar provimento ao recurso da segurada, o ministro mencionou a manifestação de outro amicus curiae, o Conselho Federal de Medicina, para o qual a cirurgia prescrita pelo médico não está prevista na Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos, tendo a operadora oferecido tratamento “inequivocamente adequado”.