As decisões judiciais em saúde, por seu efeito direta ou indiretamente coletivo, devem partir sempre de uma demanda qualificada, que considere aspectos médicos e também sociais. Essa foi a conclusão a que chegaram os debatedores no painel da V Jornada de Direito da Saúde que tratou sobre a judicialização em casos de pedidos de tratamento domiciliar. Também foram abordados os benefícios da desospitalização, a redução de custos, o papel do envolvimento familiar, a cobertura do tratamento no Sistema Único de Saúde (SUS) e o uso das notas técnicas relacionadas a esses casos.
Para o juiz que coordena o Comitê Estadual de Saúde do Estado de Goiás, Eduardo Perez de Oliveira, a qualificação da demanda é essencial para formular uma decisão acertada. A mesma opinião foi manifestada pelo defensor público no Estado do Mato Grosso do Sul, Hiram Nascimento, e pela referência técnica para Atenção Domiciliar do Ministério da Saúde, Mariana Borges Dias, que também foram palestrantes do painel “Judicialização do Home Care: Requisitos e Gestão”, na jornada promovida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Para essa qualificação, os especialistas defenderam a utilização de protocolos, como questionários a serem respondidos pelos médicos e pela família e uma tabela de referência com a avaliação de complexidade assistencial, como a utilizada pelos planos de saúde. Esse tipo de tabela tem base em critérios técnicos e traz uma pontuação que vai determinar se existe a necessidade de tratamento multiprofissional em regime domiciliar. Outra medida é contar com o suporte técnico dos profissionais de saúde via Núcleos de Apoio Técnico ao Poder Judiciário (NatJus). “Em Goiás, nós temos muita dificuldade de conseguir seguir adiante com nosso trabalho sem o NatJus. A análise do caso pode determinar se essa desospitalização é, de fato, o melhor para o paciente”, explicou Eduardo Perez de Oliveira.
Ele destacou que também é preciso levar em conta a questão social do paciente e da família: se há condições de darem o suporte que o doente precisa em casa, se as pessoas trabalham o dia inteiro, se é filho único e se pode contratar um cuidador, entre outros. “Também já fui juiz da execução penal, com presos que preferiam ficar no presídio a ir para a própria casa, dadas as condições em que ele vivia. Então, é preciso pensar na situação social do indivíduo também”.
Segundo o magistrado, a decisão judicial em saúde sempre é coletiva, uma vez que, ao entregar o que o indivíduo pede, está retirando recursos da cobertura de outros. “Por isso, é sempre uma decisão coletiva, que precisa ser qualificada”. Para o defensor público Hiram Nascimento, é preciso instruir a ação não apenas com os laudos e exames que comprovem a doença, mas também com outras informações. Desde 2017, a Defensoria Pública do Estado aplica questionários que são enviados para o profissional da saúde, o paciente e seus familiares. “Buscamos entender o que motiva o pedido, quais são os serviços necessários para esse atendimento. E as informações não são apenas preenchidas pelo médico, mas por todos os profissionais de saúde envolvidos no plano terapêutico – fisioterapeuta, fonoaudiólogo, nutricionista, farmacêutico, auxiliar de enfermagem -, além da frequência desse serviço”.
A Defensoria também tenta atender o pedido junto ao SUS, antes de entrar com a ação, permitindo uma resposta qualificada e com respaldo técnico. “Tentamos verificar se é um pedido que está baseado na evidência científica, para potencializar a obtenção da liminar. No entanto, percebemos a redução da judicialização a partir da instrução qualificada da ação”.
A representante do Ministério da Saúde, Mariana Borges Dias, explicou que o Programa de Home Care do SUS – “Melhor em Casa” – atende 42% da população brasileira e está presente em 827 municípios, com oportunidade de ser ampliado e expandido para mais cidades. “Há dez anos o programa atua de forma integrada com as redes de atenção, com ações de prevenção, do tratamento, reabilitação e cuidados paliativos, com o objetivo de reduzir a demanda por hospitalização”.
Voltado para atender problemas mais agudos, complexos e crônicos, o “Melhor em Casa” amplia o acesso à saúde com resolutividade. Segundo a especialista, há uma série de vantagens para o SUS, especialmente em relação à utilização dos recursos hospitalares. A desospitalização libera o leito hospitalar para outras pessoas, além de diminuir as taxas de infecção hospitalar. Segundo estudos, a internação em casa pode reduzir os custos em até 70%. “Considerando ainda que a maior característica da atenção domiciliar é humanização e a personalização do cuidado, beneficiando também o paciente crônico”. No entanto, apesar do investimento federal de R$ 3,5 bilhões durante os 10 anos do programa, não é possível atender a todos os pacientes. “É preciso lembrar que o que vai dizer a necessidade do paciente é, de fato, uma avaliação bastante acurada”, ressaltou.
Encerramento
Durante o encerramento da V Jornada de Direito da Saúde, o conselheiro do CNJ e supervisor do Fórum Nacional do Judiciário para a Saúde (Fonajus), Richard Pae Kim, e o membro do Fonajus, Arnaldo Hossepian, informaram que o CNJ e o Complexo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo vão assinar um termo de cooperação para a produção de 150 notas técnicas, especialmente para as ações que envolvem medicamentos oncológicos.
Já o presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar, Paulo Rebelo, destacou a importância do diálogo da agência reguladora com o Judiciário e o interesse da agência e da saúde suplementar na integração do e-NatJus para o setor. Ele também manifestou preocupação com o Projeto de Lei 2033/2022, em tramitação no Senado Federal, que altera a Lei nº 9.656/1998 (Lei dos Planos de Saúde), para estabelecer hipóteses de cobertura de exames ou tratamentos de saúde que não estão incluídos no rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar. De acordo com ele, é preciso estar preparado para o aumento de judicialização que a matéria poderá trazer, caso seja aprovada, como já aconteceu na Câmara dos Deputados.
Medalha
O Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA), que hospedou a V Jornada, homenageou o conselheiro Richard Pae Kim com a Medalha do Mérito em Educação Judicial Desembargador Mário Albiani, entregue a personalidades acadêmicas, magistrados, servidores e colaboradores, entre outros que tenham colaborado para o aprimoramento da educação judicial no âmbito do Poder Judiciário do Estado da Bahia, conforme a Resolução TJBA nº 15/2021.
Pae Kim agradeceu a homenagem e, citando o ministro César Asfor Rocha, disse que “uma medalha é uma distinção, é um brasão, é um sinal que personifica, que serve para identificar dentre muitos que são merecedores aqueles que foram contemplados por causa de seu exemplo e por causa de suas virtudes”. “Recebo essa medalha em nome do Fonajus e sei que a honraria é destinada a todos os eminentes membros e colaboradores do colegiado. Reconheço nela o carinho do Tribunal de Justiça da Bahia a todos os membros dos comitês também Estaduais de nosso importante Fórum Nacional do Judiciário para Saúde”
Texto: Lenir Camimura
Edição: Sarah Barros
Agência CNJ de Notícias