Ninguém contesta que a vida está cada vez mais veloz, exigindo um esforço extraordinário para acompanharmos tudo o que ocorre.
Antes, gastávamos parte considerável do dia com elaboração e preparação do cardápio, organização da casa, realização de pagamentos e compromissos, etc. Com o avanço da tecnologia, as tarefas cotidianas se resumiram a alguns cliques no microondas ou celular e, pronto, pulamos direto para o resultado sem vivenciarmos o caminho.
Há apenas 100 anos, não havia aviões, viagens espaciais ou satélites artificiais orbitando o planeta. Eram meses de espera por uma carta, semanas de viagens terrestres, e dias aguardando por informações… Atualmente, há uma decolagem e aterrissagem por segundo, ligando todos os pontos da Terra; o homem explora a Lua, Marte e outros planetas; lançou milhares de satélites e criou a internet, que permite informações e comunicações instantâneas.
O conhecimento humano, muito impulsionado pelo aumento populacional, cresceu em progressão geométrica, dobrando-o a cada cinco anos, a partir de 1950. Isto é quase a mesma proporção do crescimento demográfico, que, apesar de ter demorado 52 mil anos para chegar ao número de 1 bilhão de pessoas, em 1815, dobrou esta marca em 100 anos (1915), e chegou aos 7 bilhões de pessoas em 31 de outubro de 2011.
Para se ter ideia dessa evolução, o foguete da Apollo 11, que levou o homem a pisar na lua pela primeira vez, possuía a mesma tecnologia que o nosso liquidificador atual. Todos os computadores da NASA daquela época, todos os processadores e memória, ocupariam uma pequena parte de apenas um smartphone moderno, que também é capaz de substituir, praticamente, todos os equipamentos de produção de texto, filmagens, fotos e seus respectivos editores.
De fato, a revolução tecnológica fez prodígios para a humanidade, mas, será que tal galardão não cobrou algum preço? Será que o vertiginoso aumento das doenças psíquicas, principalmente a depressão, ansiedade e transtornos obsessivos, não possui alguma relação com a velocidade da vida hodierna?
Se considerarmos que o nosso corpo aguenta uma aceleração de até 5 G antes de perdermos a consciência, será que nossa consciência também não possuiria um determinado limite de pressa, ou de armazenamento de informações, antes de adoecermos?
Pois é. Pensando nestas questões, o italiano Carlo Petrini e um grupo de ativistas, na década de 1980, criaram um movimento chamado de slow food, tendo, como o objetivo inicial, a defesa das tradições regionais, da boa comida, do prazer gastronômico e um ritmo mais lento de vida.
Este movimento trouxe, em sua essência, o contraponto de alguns dos resultados do avanço da tecnologia, como o fast food, a produção em massa e o consumismo desenfreado, buscando, justamente, valorizar o que a modernidade embaçou ao priorizar o tempo dos processos, a manufatura do uso e a customização de tudo, iniciativa esta que encantou e cresceu, inspirando outros movimentos, como o slow parenting, o slow medicine e o slow fashion.
Foi a partir destes movimentos pontuais que surgiu o Slow Living, um estilo de vida que tem, como principal objetivo, um ritmo desacelerado, compatível com o respeito e autoconhecimento, prezando pelo equilíbrio e por uma forma de consumo sustentável. A ideia é conhecer o seu próprio tempo e aprender a administrá-lo, segundo os seus princípios.
Ao buscar uma vida mais leve e pacífica, o slow living se aproximou de técnicas e filosofias como a ioga e o mindfulness, pregando a concentração, o aprofundamento das tarefas, e não somente os resultados, e a priorização dos relacionamentos humanos.
Como se vê, os conceitos do slow living são um grande desafio, pois propõem uma mudança significativa de paradigma, onde o foco se desloca do mundo exterior para o eu interior, passando a ser o nosso tempo, e não dos demais, a reger as nossas ações na sociedade.
Dessa forma, talvez, o Slow Living (ou outro movimento que faça o contraponto do nosso modus vivendi) seja a resposta às nossas perguntas, ou preces, sobre como a humanidade poderá viver diante deste fluxo tecnológico alucinante.
De toda sorte, fica o conselho do slow living para nossas vidas: desacelerar o que podemos, aprofundar o que fazemos e que tudo seja feito no nosso próprio tempo.
Só assim, a música de Legião Urbana e Renato Russo fará sentido:
“Então me abraça forte / E diz mais uma vez / Que já estamos Distantes de tudo/ Temos nosso próprio tempo”.