A vida é exímia professora para quem quer aprender.
Era o ano de 1992. Eu já havia concluído, no ano anterior, o curso preparatório de oficiais da reserva no 16° Batalhão de Infantaria Motorizado, tendo retornado, como aspirante ao oficialato do Exército Brasileiro, para o obrigatório estágio de instrução.
Meu pai, determinado dia, deu-me uma carona para o Batalhão Itapiru e, quando nos aproximávamos do portão das armas, uma das sentinelas cometeu uma bizonhice irrelevante, mas, como eu era o seu recém promovido superior hierárquico, tinha o dever de corrigir, o que me fez dar aquela boa e velha “mijada” no recruta de olhos esbugalhados.
Quando saímos dali, meu pai se virou para mim e disse “Meu filho, não faça isso. Não trate o povo assim. O amanhã, ninguém sabe”. Na época, retruquei dizendo que, como ele não servira às Forças Armadas, desconhecia os códigos de ética e disciplina militares, e que, na caserna, as coisas funcionavam assim mesmo.
Logo depois, concluí o estágio e, apesar de poder disputar uma das vagas para oficial temporário e permanecer por mais 8 anos no EB, decidi abraçar a vida civil, pois, mais cedo ou mais tarde, seria este o meu hábitat natural.
Trabalhando na iniciativa privada por muitos anos, experimentei a roda viva do empreendedorismo e a máquina estatal de moer gente, que mais atrapalha do que ajuda o empresariado brasileiro.
Desta experiência, vi projetos gestados e natimortos, muitos devido a minha própria imaturidade ou ansiedade que, assim como a sentinela dos tempos do quartel, faziam-me cometer bizonhices e meter os “pés pelas mãos”.
“O amanhã, ninguém sabe”. Essa frase, dita pelo meu pai há anos, fazia todo sentido agora. Eu sentia, naquele momento de minha vida, a mesma frustração daquela sentinela que, embora imbuída de servir sua pátria, errava por inexperiência, ansiedade, falta de foco, sendo, eu mesmo, o alvo, por parte dos outros, das mesmas “mijadas” que dei no passado.
Nós não somos isentos de erros, de equívocos, ou possuímos a capacidade lógica e frieza das máquinas. Como Carlito disse, “Não sois máquina! Homens é o que sois”. Nossa condição humana nos faz construir o aprendizado através do método empírico: tentamos, erramos, modificamos a ação e tentamos de novo, até acertarmos e repetirmos o acerto incessantemente.
Neste processo, percebi que repreensões e críticas ácidas somente destroem a autoestima e criam um padrão que comprometem negativamente a construção do aprendizado, principalmente quando se trata de uma mente jovem, que necessita muito mais de incentivos e orientações do que de carão.
É certo que a correção é necessária para o nosso crescimento, mas ela pode ser com doçura; a orientação, com bondade; o conselho, como expressão maior da cooperação entre as pessoas, para que o outro encontre o caminho da sua felicidade.
A propósito, desde que saímos das árvores e passamos a caminhar como bípedes, cooperar é um dos principais segredos da prosperidade humana, uma vez que, como seres gregários, necessitamos uns dos outros para sobrevivermos. Por isso, o axioma de que “nenhum homem é uma ilha”.
Por muito tempo, não entendi meu pai em muitas coisas. O jovem que fui, como a maioria de nós que teve a chance de conviver com seu pai, considerava-o como homem antigo, de conceitos ultrapassados, desatualizado no contexto da vida.
A mágica do universo é que vivemos trocando de lugares, gerando oportunidades de experimentarmos todos os lados da mesma moeda. O comandado de ontem poderá ser o comandante de amanhã; o servidor do passado, o destinatário do serviço de agora; o aluno atual, o professor do porvir.
Hoje, por exemplo, eu sou aquele que, como meu pai, é visto como anacrônico, de pensamento arcaico, que não sabe nada diante das novidades e da força juvenil dos que agora iniciam suas próprias vidas.
Ocorre que o tempo me fez ver que, apesar da modernidade, das novas tecnologias e da constante mudança das coisas, os valores e as experiências não envelhecem, podendo servir de baliza para encararmos, ou ampliarmos o pensamento diante das situações do dia-a-dia.
Foi assim que me reconciliei com o passado e apaziguei o meu coração agitado com as escolhas dos mais novos. Os dias vividos, os acertos e, principalmente, os erros me revelaram que a estrada da vida sempre cuida de testar as nossas vontades, valores e sonhos.
No fim, todos nós encontramos um caminho para trilhar, ainda que se inicie com uma “mijada” em alguém que, caso presencie, olharei com brandura e direi: meu filho, trate bem a todos. “O amanhã, ninguém sabe”.
P.S. Às sentinelas de 1992, perdão.