Clarice Lispector dizia que não tinha tempo para mais nada, pois ser feliz a consomia muito.
De fato, felicidade, esse Graal dos sentimentos humanos, é perseguido por tantos e alcançados por tão poucos que há razoável dúvida sobre sua existência para nós, pobres mortais.
Certa vez, tive uma discussão com um grande amigo, que insistia em afirmar que a felicidade não era deste mundo, mas, sim, a dor e o sofrimento que granjeia em todos os lares.
Lembro que, na época, fiquei incomodado com tal afirmação pessimista e o questionei: se a felicidade não é deste mundo, ou se é para poucos abastados, por que Deus nos apresenta um doce sem possibilidade de conquistarmos? É um humor divino, para dizer o mínimo, estranho, não é?
Com a maturidade, saímos do campo meramente filosófico para o pragmatismo da vida e passamos a constatar, assim como muitos filósofos e pensadores, determinadas “verdades”, tais quais as que nossas experiências nos proporcionaram, desmistificando a felicidade para a aproximar da rotina do dia a dia, das pequenas conquistas, dos sonhos passageiros e projetos duradouros. Em cada uma dessas passagens, a felicidade faz suas paradas e, depois, segue viagem.
Aprendemos que não são nossas posses ou nossa posição social que produzem a felicidade, mas a nossa sensação de bem-estar e satisfação em qualquer situação. Não é o tamanho da casa ou a quantidade de pessoas com quem convivemos que nos fará felizes, mas como encaramos isso. Por isso, Schopenhauer disse que “nossa felicidade depende mais do que temos nas nossas cabeças, do que nos nossos bolsos”.
Ao aceitarmos as dores, sofrimentos, perdas e desafios como rígidos professores, aproveitamos as adversidades para fortalecer nosso caráter e corrigir nossos erros, tal qual o exercício físico traz a robustez ao nosso corpo.
Passamos a encontrar a felicidade em todas as coisas que se opõem à tristeza. Alegramo-nos com a luz que dissipa a escuridão; sorrimos nos dias ensolarados por causa dos dias chuvosos ou também ficamos felizes nestes por causa dos períodos de seca; só apreciamos o alimento quando sentimos fome; só valorizamos a vida quando vivenciamos a possibilidade da sua perda. Com isso, todo evento cotidiano possui o gérmen da felicidade pois, como ensinou Goethe, “na plenitude da felicidade, cada dia é uma vida inteira”.
Assim, a felicidade não é só deste mundo como também acessível a todos àqueles que têm a coragem de vivê-la, que decidem vê-la nas grandes e pequenas coisas, no atos mais nobres e, também, nos prosaicos.
É momento da felicidade; felicidade por estarmos vivos, pelo dia ou pela noite, pelos conhecidos ou desconhecidos, por qualquer coisa ou por nada, pois, como dizia Drummond, “ser feliz sem motivo é a mais autêntica forma de felicidade”.
Não importa nossa motivação: merecemos ser felizes. Só precisamos deixar que esta felicidade nos consuma. Como disse Lispector: não teremos tempo para mais nada.