A redução da cláusula penal em razão do pagamento parcial da dívida – prevista no artigo 413 do Código Civil – é dever do juiz e direito do devedor. Entretanto, nessa tarefa, o magistrado não deve se ater à simples adequação matemática entre o grau de inexecução do contrato e o abatimento da penalidade; em vez disso, na busca de um patamar proporcional e equitativo, é preciso analisar uma série de fatores para garantir o equilíbrio entre as partes contratantes, como o tempo de atraso, o montante já quitado e a situação econômica do devedor.
O entendimento é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). O colegiado reformou acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que havia afastado a possibilidade de redução da cláusula penal por considerar que deveriam prevalecer as condições contratuais acertadas pelas partes em um acordo de renegociação de dívida.
No acordo, as partes negociaram a redução da dívida, de cerca de R$ 50 mil para R$ 32 mil, e estabeleceram que, na hipótese de atraso nos pagamentos mensais, o valor voltaria a ser o original, acrescido de 20%.
Após cumprir normalmente a maior parte do acordo, o devedor pagou com atraso as duas últimas parcelas, motivo pelo qual o juiz deferiu o pedido de prosseguimento da execução no valor original, com a incidência do percentual de acréscimo. A decisão foi mantida pelo TJSP.
Ordem pública
A ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso do devedor, explicou que, quando as partes estipulam uma cláusula penal, são estimadas desde o início as perdas e danos decorrentes do parcial ou completo descumprimento do acordo, mas o valor previsto também tem a função de evitar a ocorrência desses danos.
Segundo a magistrada, diferentemente do Código Civil de 1916 – que previa a redução da cláusula penal como faculdade do magistrado –, o código de 2002 trata essa diminuição como norma de ordem pública, obrigatória: é dever do juiz e direito do devedor, com base nos princípios da boa-fé contratual e da função social do contrato.
Para a relatora, essa intervenção judicial não contraria os princípios da autonomia da vontade, da liberdade contratual e da força obrigatória dos contratos.
Apreciação equitativa
Em seu voto, Nancy Andrighi defendeu que a redução da cláusula penal, nos termos do artigo 413 do Código Civil de 2002, ocorra por meio de uma apreciação equitativa do juiz, não existindo equivalência matemática a ser obrigatoriamente seguida.
A ministra apontou que a avaliação equitativa deve considerar o grau de culpa do devedor, eventual desequilíbrio de forças entre as partes e o montante pago, entre outros fatores – como a avaliação da utilidade que o pagamento, mesmo imperfeito, tenha gerado para o credor
“A redução do valor da multa na hipótese de pagamento parcial respeita, portanto, o dever de equilíbrio e igualdade entre as partes contratantes, e assegura que as prestações sejam justas e proporcionais, restringindo o caráter absoluto dos princípios da liberdade contratual e pacta sunt servanda – os quais, todavia, impedem que, mesmo com o inadimplemento de pequena monta, seja afastada de forma completa a incidência da cláusula penal”, disse a ministra.
Quitação integral
No caso dos autos, Nancy Andrighi apontou que o restabelecimento do montante original da dívida, acrescido dos 20%, praticamente dobraria o valor da dívida negociada. Por outro lado, a ministra considerou que, apesar do atraso de pouco mais de dois meses no pagamento das duas últimas parcelas, houve a quitação integral do acordo.
Dessa forma, a relatora entendeu que o pagamento, ainda que fora do prazo, produziu benefícios ao credor. Além disso, ela enfatizou que o acordo foi firmado por pessoas em igualdade de condições, e que o atraso no pagamento não foi expressivo.
Como consequência, a turma considerou equitativo e proporcional que o valor da cláusula penal fosse reduzido para 20% do valor das parcelas pagas em atraso.
Leia o acórdão.