Em virtude do pedido de desistência por parte do Ministério Público Estadual, representado pela Procuradoria Geral de Justiça, o desembargador do TJRN Dilermando Mota extingiu o Mandado de Segurança impetrado pela 19ª Promotoria de Justiça de Natal, que pedia a concessão de liminar para a suspensão do art. 1º do Decreto Estadual 30.383/2021 e, consequentemente, impedir que as forças de segurança pública sejam empregadas na execução do “toque de recolher”. A decisão do magistrado homologa o pedido de desistência apresentado pela PGJ/RN, sem resolução de mérito, independentemente de anuência da autoridade impetrada.
Para acessar a decisão Clique AQUI.
*O desembargador explica que a decisão, de momento, trata apenas da análise sobre a desistência do Mandado de Segurança, pedido apresentado pelo MPRN. O posicionamento da Justiça, observa o relator, não trata sobre qual decreto, o do Estado ou o do Município de Natal, vai valer em relação ao outro. Ele esclarece este ponto porque surgiu, entre setores da sociedade potiguar, a expectativa de que houvesse uma definição do Poder Judiciário sobre este tema, ou seja a validade ou não de um ou de outro decreto, o que não foi objeto do MS.*
“Vale ressaltar, porém, que, em razão de expressa previsão da Lei do Mandado de Segurança (Lei n.º 12.016/2009), a segurança ora pleiteada deve ser denegada, conforme dispõe o art. 6.º, § 5.º, da mencionada Lei, por se enquadrar o caso em questão em uma das hipóteses de extinção do feito previstas no art. 485 do Código de Processo Civil”, destaca a decisão do desembargador. O Estado do Rio Grande do Norte e a governadora, em petição conjunta de id. 8900881, manifestaram concordância com o pedido de desistência formulado pelo procurador geral de Justiça.
Em Petição de id. 8894276, o procurador geral de Justiça requereu o reconhecimento da ilegitimidade ativa do promotor de justiça impetrante com o argumento de que a atribuição para impetração de Mandado de Segurança contra ato da governadora de acordo com o art. 29, VIII, da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público – LONMP e art. 129, II, da CF, é exclusiva do PGJ, bem como que a impetração contraria o entendimento institucional do MPRN, exarada em recomendação conjunta subscrita pelo MPRN, MPF e MPT, de modo que, com o reconhecimento da sua legitimidade ativa como representante do órgão ministerial, pediu a desistência deste Mandado de Segurança.
O promotor de Justiça impetrante, em Petição de id. 8912216, refutou as alegações contidas na Petição de id. 8894276 sob o fundamento de que inexiste a figura do “impetrante privilegiado” para fins de impetração de mandado de segurança no âmbito do Ministério Público Estadual, uma vez que a atribuição originária do Procurador Geral de Justiça só tem aplicabilidade quando as autoridades indicadas no art. 29, VIII, da LONMP, figurarem como investigados ou réus em procedimentos de natureza civil, situação não verificada em mandados de segurança em que a autoridade impetrada não assume condição de ré, demandada ou investigada.
Sobre a questão, o integrante do Pleno do TJRN ressaltou que a análise do pedido de ilegitimidade ativa do 19.º Promotor de Justiça da Comarca de Natal somente foi possível de ser analisada após a tentativa de conciliação realizada no dia 10 de março de 2021, em decorrência da manifestação do impetrante e a conclusão dos autos ao relator, ocorrida apenas nesta data.
Afinal, observa o magistrado, “após a manifestação do Procurador Geral de Justiça, pugnando pelo reconhecimento de sua legitimidade como representante do Ministério Público na presente ação constitucional, manifestando entendimento contrário ao do Impetrante, o 19.º Promotor de Justiça da Comarca de Natal apresentou petição sobre a questão apenas em 10 de março de 2021, de modo que os autos retornaram conclusos somente nesta data”.
Assim, acrescenta o relator, “não cabia qualquer decisão sobre a questão em momento anterior em razão da vedação à decisão surpresa e do norte previsto no art. 10 do Código de Processo Civil, segundo o qual “Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício”.
O desembargador enfatizou em sua análise, que apesar da inexistência de vedação a qualquer membro do Ministério Público no exercício de suas funções institucionais e na defesa de direitos coletivos e individuais homogêneos de impetrar mandado de segurança coletivo, sem qualquer previsão nesse sentido no âmbito da Lei Orgânica do MPRN, tal circunstância não autoriza a interpretação contrária às normas estabelecidas pela Lei Orgânica Nacional, “motivo pelo qual reconheço, na hipótese, a ilegitimidade ativa do 19.º Promotor de Justiça da Comarca de Natal, impetrante originário, e a consequente legitimidade ativa do procurador geral de Justiça, como representante do Ministério Público estadual apto a representar o órgão ministerial na legitimação devida para a pretensão coletiva ora veiculada”, razão pela qual, destaca o relator, passou a analisar o pedido formulado em Petição de id. 8894276, acerca da desistência da pretensão.
Ilegitimidade ativa
E aprofundou sua apreciação. “Ressalto que, a despeito da inexistência de igual previsão nesse sentido no âmbito da Lei Orgânica do MPRN, tal circunstância não autoriza a interpretação contrária às normas estabelecidas pela Lei Orgânica Nacional, motivo pelo qual reconheço, na hipótese, a ilegitimidade ativa do 19º Promotor de Justiça da Comarca de Natal, impetrante originário, e a consequente legitimidade ativa do Procurador Geral de Justiça, como representante do Ministério Público estadual apto a representar o órgão ministerial na legitimação devida para a pretensão coletiva ora veiculada”, motivo pelo qual o relator passou à apreciação do pedido formulado em Petição de id. 8894276, acerca da desistência da pretensão.
Para o magistrado de segunda instância, a impetração teve por fundamento apenas a utilização das forças de segurança pública para cumprimento de “toque de recolher” e sujeição penal de cidadãos em razão de previsão existente apenas em decreto estadual, com a legítima preocupação decorrente das diferentes previsões estabelecidas na norma estadual e em decreto do Município do Natal. Observa o julgador ainda que o decreto municipal, em diversos pontos, estabelece limitação de horário de funcionamento de estabelecimento em tempo superior ao “toque de recolher” estabelecido pela autoridade impetrada, situação que enseja notória insegurança aos cidadãos potiguares, carentes de informação precisa quanto às previsões normativas a seguir.
De acordo com o relator, tampouco há que se falar sobre a eventual inobservância do “toque de recolher” previsto na norma estadual pelos estabelecimentos comerciais situados na cidade de Natal, porquanto o STF, em jurisprudência pacífica, com precedentes publicados inclusive no período da presente pandemia, reconhece, sem qualquer divergência, a prevalência da competência dos Municípios para regularem o horário do comércio local, ante o manifesto interesse local.
Em relação ao ato questionado, o promotor impetrante sustenta que a autoridade impetrada não possui competência para criar, por meio de simples decreto, “toque de recolher” em todo território do Estado e, em consequência, de submeter qualquer cidadão a uma intervenção policial capaz de privar-lhe a liberdade sem amparo legal. E acrescenta que “a atividade policial seja executada sem abusos de qualquer natureza, como forma de proteção aos direitos dos cidadãos em geral e dos próprios agentes de segurança pública, compelidos a cumprirem ordem ilegal”, vez que é dever constitucional do MP a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e da proteção dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
Impetrado no plantão judiciário do dia 27 de fevereiro de 2021, a pretensão liminar foi indeferida pelo relator plantonista, o desembargador Virgílio Macêdo Jr., conforme decisão monocrática referente ao id. 8784927.
Audiência Pública
Em petição de 8 de março de 2021 (id. 8871256), o impetrante apresentou Pedido de Reconsideração da decisão e informa que não possui interesse no recebimento de seu pedido como Agravo Interno, mas que, em razão de fatos novos ocorridos após a impetração – modificação do decreto questionado com o aumento das restrições impostas pelo “toque de recolher”, bem como em face do confronto das disposições contidas entre o decreto estadual e o Decreto n.º 12.179, de 6 de março de 2021, expedido pelo Prefeito do Município de Natal –, impõe-se a reconsideração da decisão proferida pelo desembargador plantonista, de 27 de fevereiro de 2021, requerendo a concessão da liminar pretendida inicialmente.
Na mesma data da apresentação do Pedido de Reconsideração, considerando a natureza do direito discutido nos autos, com a contraposição de direitos fundamentais e interesse público evidente, com possíveis danos a direitos coletivos e individuais homogêneos, sobretudo à saúde pública e à ordem econômica; como forma de garantir uma jurisdição democrática e o norte processual inaugurado pelo Código de Processo Civil, em seus arts. 165 e seguintes, priorizando a composição em qualquer grau de jurisdição, o desembargador Dilermando Mota publicou o despacho de id. 8793039, no qual determinou o aprazamento de audiência com as partes, as autoridades públicas envolvidas e representantes da sociedade civil.
A audiência realizada em 10 de março de 2021 ocorreu com a presença de todas as partes intimadas. “No entanto, a despeito da proposta de acordo apresentada pelo prefeito do Município do Natal e a manifesta intenção de compromisso externada pelo presidente da FEMURN, do promotor de Justiça impetrante e do presidente da OAB, para convergirem para um plano de regulamentação de medidas sanitárias capaz de assegurar o interesse da coletividade e a contenção dos efeitos da pandemia, com um decreto de referência para todo o Estado, sem excessiva e desmotivada ingerência nas liberdades individuais dos cidadãos, a governadora do Estado, ora impetrada, não manifestou interesse em transigir, de modo que a audiência foi encerrada sem qualquer acordo”, ressalta o relator.
Considerações finais
O desembargador não deixou de observar a questão de que “a permanecer a situação de contradição entre os decretos estadual e municipal, eventual reprimenda policial pode ser considerada desnecessária e controversa, a provocar, até mesmo, responsabilização do Estado por eventual abuso de poder”. Afinal, reforça, a sujeição penal dos cidadãos é temerária nas hipóteses de deslocamento para seus ambientes de trabalho ou mesmo de consumidores em restaurantes e serviços autorizados pelo Município após as 20h – “toque de recolher” –, localizados no município de Natal, bem como para suas residências situadas em municípios contíguos.
“Ainda que este Relator pretendesse ir além das questões processuais, estaria adstrito, pelo princípio da congruência, ao objeto do Mandado de Segurança, qual seja: o uso da força policial para cumprimento do decreto estadual e não de qual dos decretos deveria prevalecer. Noutros termos, a expectativa da população para um deslinde justo e merecido poderia ser frustrada de igual modo”, pontua.
Esse cenário, analisa o magistrado, mais do que motivou o aprazamento da audiência com o fim de composição entre partes e interessados, “porquanto aquele momento tinha o potencial democrático e jurídico de pôr termo na controvérsia”.
Na ótica do relator, cabe dizer que, “mesmo sem o acordo entre Estado, Município e Ministério Público, a população potiguar ganhou um novo espaço de jurisdição democrática, em que foi revelado, de forma republicana, o ambiente em que se definem as políticas públicas com relevante impacto sobre os cidadãos e seus direitos fundamentais”, ressalta o membro do TJ potiguar.
“O Poder Judiciário poderá ser instado novamente a se manifestar e, assim sendo, auscultará a sociedade e as agruras dos tempos atuais, consciente de seu mister e responsabilidade com os jurisdicionados”, finaliza.