Em parecer enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quarta-feira (3), o procurador-geral da República, Augusto Aras, defendeu a inconstitucionalidade de dispositivos da Reforma Trabalhista, que alterou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) – Decreto-Lei 5.452/1943 –, por meio da Lei 13.467/2017. A manifestação é pela procedência da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.994, ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS).
A ação questiona a expressão “acordo individual escrito” constante do artigo 59-A por autorizar o estabelecimento do regime de 12 horas de trabalho por 36 horas de descanso (conhecido por trabalho em escala 12h/36h) por meio de acordo individual escrito, entre empregado e empregador. A CNTS também aponta a inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 59-A, que prevê que os pagamentos devidos ao trabalhador a título de descanso semanal remunerado e de descanso em feriados estão abrangidos pela remuneração mensal pactuada pela escala 12h/36h. De acordo com o dispositivo, os feriados e as prorrogações de trabalho noturno já estão compensados quando adotada a referida escala.
Para Augusto Aras, os dois trechos apontados pela ação são inconstitucionais. Ele destaca que a duração da jornada de trabalho é tema afeto à saúde e à segurança do trabalhador. Aponta que, pela relevância, o tema está no centro das atenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT), desde sua criação. “A imposição de limites à duração do trabalho tem fundamentos de natureza biológica, social e econômica, conectados, em maior ou menor grau, à segurança do trabalhador e à saúde humana, física e mental”, assinala.
O PGR explica que a Constituição de 1988 limita a duração do trabalho normal a oito horas diárias e a 44 horas semanais, facultando a compensação de horários e a redução da jornada “mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho”. Ele cita que o artigo 7º da Constituição “impõe a obediência aos limites fixados quanto à duração do trabalho, embora ressalve a possibilidade de pactuação coletiva de regime compensatório de horários”.
De acordo com Augusto Aras, o art. 7º, XIII, da Constituição valoriza a negociação coletiva como forma de flexibilização da duração do trabalho e somente pode servir à melhoria da condição social dos trabalhadores. “Não se admite a simples redução ou renúncia de direitos, especialmente de direitos constitucionais indisponíveis, mas exige-se a pactuação de compensação ou de contrapartida”, aponta em um dos pontos da manifestação.
Nesse contexto, Aras sustenta que a alteração promovida pela Reforma Trabalhista questionada na ação promove restrição ao âmbito normativo do direito fundamental dos trabalhadores de defender, por meio de suas associações sindicais representativas, uma jornada de trabalho adequada aos interesses da categoria, fixada em contratualização coletiva. “O espaço reservado à negociação coletiva pela Constituição em relação ao tema da duração do trabalho não pode ser ocupado pelo legislador heterônomo, sob pena de se promover esvaziamento da autonomia privada coletiva”, frisa. Para o PGR, a fixação da jornada 12h/36h por norma estatal infringe, assim, “importantíssimo espaço de autonomia privada coletiva e, via de consequência, do direito de resistência coletiva dos trabalhadores para obtenção de contrapartidas laborais”.
Pactuação coletiva – Para Augusto Aras, a necessidade de pactuação coletiva da escala 12h/36h, “além de atender ao comando constitucional expresso relativo à adoção do regime compensatório, privilegia a democracia participativa na edição de normas autônomas e viabiliza a efetivação do caput do art. 7º da Constituição”. Segundo ele, o prestígio conferido pela Constituição à convenção e ao acordo coletivo de trabalho, fontes formais de direito do trabalho, denota a valorização da autonomia privada coletiva.
“A norma impugnada, em sentido oposto à orientação constitucional de incentivo à autocomposição dos conflitos trabalhistas, desestimula a negociação coletiva e impõe aos entes sindicais perda de poder de defesa coletiva dos trabalhadores”, assinala o PGR. Para ele, dessa forma, entrega-se às categorias econômicas, sem exigência de contrapartida, relevante “moeda de troca” das categorias profissionais submetidas à escala 12h/36h.
Remuneração – Outro ponto questionado na ação é o trecho que considera incluídos na remuneração devida ao trabalhador que cumpre escala de 12h/36h o descanso semanal remunerado e o descanso em feriados, a compensação dos feriados e as prorrogações de trabalho noturnos. Para Augusto Aras, o dispositivo também é inconstitucional. Ele destaca que a obrigação do empregador de conceder folga compensatória ou de remunerar em dobro o trabalho não compensado em dias de feriado é medida de justiça e equidade, que atende ao princípio constitucional da isonomia.
O PGR cita que o trabalhador em jornada regular recebe salário fixo calculado por mês ou quinzenalmente, já tem incluída nessa paga a remuneração do repouso semanal e dos feriados usufruídos. “Essa continência, na remuneração mensal, dos pagamentos relativos aos repousos semanais e feriados somente se opera na hipótese de observância do direito à fruição dos descansos”, explica.
Para ele, ao afirmar no parágrafo único do art. 59-A da CLT que o trabalhador submetido à escala 12h/36h tem incluídos, na sua remuneração mensal, os pagamentos alusivos ao trabalho em repouso semanal e em feriados, o legislador admite que tal trabalhador tem direito ao não trabalho nesses dias e à correspondente remuneração, de forma simples. Ele alerta que a norma exime o empregador tanto de conceder folgas compensatórias quanto de remunerar (com a “dobra”) por esse trabalho, o que significa negar efetividade ao direito ao gozo dos descansos e à respectiva remuneração.
A manifestação aponta ofensa ao princípio da isonomia (Constituição, art. 5º, caput) comparativamente aos trabalhadores não submetidos a tal escala legalmente fixada, que têm direito ao repouso semanal e em feriados, e ao pagamento da dobra de remuneração em contraprestação ao trabalho nesses dias. “Nesse contexto, é preciso reconhecer que o parágrafo único do art. 59-A da CLT impõe condição prejudicial aos direitos fundamentais dos trabalhadores ao gozo do repouso semanal e feriados”. Augusto Aras aponta que o parágrafo único, do referido artigo da CLT, “nega aos trabalhadores sujeitos à escala 12h/36h o direito à fruição dos repousos semanais e dos feriados, porquanto o intervalo elastecido entre duas jornadas de trabalho ao mesmo empregador compensa unicamente a duração diária ou semanal de trabalho majorada”.