Mário Sérgio Cortella, nas suas palestras, alardeia uma daquelas afirmações geniais que nos induzem à reflexão. Segundo ele, “vaca não dá leite”, sendo um erro acreditarmos nisso, pois, na verdade, precisamos acordar de madrugada e executar uma série de atividades até o momento em que ordenhará o animal e extrair o alimento.
Tal assertiva de Cortella exemplifica o conceito universal de que, na vida, nada vem de graça, uma vez que toda ação humana, seja comissiva ou omissiva, possui uma consequência proporcional e ambivalente que repercute no âmbito da intimidade ou da coletividade.
Sem esta perspectiva, poderíamos criar uma geração de pessoas que acreditaria que não é necessário o esforço para a obtenção da justa recompensa, pois, se vaca dá leite, alguém teria a obrigação de nos entregar, de forma graciosa, a nossa subsistência e nossos ideais sem qualquer empenho ou dedicação de nossa parte.
De fato, alcançar nossos objetivos, suprir nossas necessidades mais elementares e realizar nossos maiores sonhos são a epítome da busca pelo prazer ou felicidade, possuindo, no sentido diametralmente oposto, o esforço dispendido, a angústia da experiência e a dor sentida durante o processo de atendimento às demandas tão humanas.
Ou seja, todas as nossas escolhas passam pelos caminhos da dor e do prazer, uma vez que estas sensações são a construção psíquica, herdada pelos ancestrais mais remotos, de um tempo onde éramos guiados, apenas, pela fome, frio ou sexo, que eram necessidades (ou dores) combatidas pela sua saciedade (ou prazer) representada pela busca de alimento, abrigo e parceira.
Jung, fundador da escola analítica da psicologia, forjou o termo de “inconsciente coletivo” para explicar essa nossa herança ancestral: uma memória coletiva estruturada psiquicamente, preconcebida e formada por todas as experiências humanas, dentre elas o que nos dá prazer e traz dor, sendo compartilhadas inconscientemente por todos nós.
Os filósofos da humanidade, ao se debruçarem sobre o tema, também concluíram que prazer e dor estão intrinsecamente ligados e são parte da mesma realidade, chegando a ser uma a distorção da outra, como ensinou Epicuro, que classificava o prazer em excesso como dor, ou Horácio, que defendia o desprezo dos prazeres porque os considerava prejudicial em relação a dor. Táxi
Para os religiosos, a origem da dor pode ser encontrada na Bíblia, em Gênesis 3:16-19, como castigo de Deus pelo pecado original, uma vez que condenou Adão e Eva ao sofrimento, em oposição à felicidade do paraíso, para que pudessem alcançar os dois maiores prazeres humanos, quais sejam o de se alimentar e o de procriar.
Como se vê, o pensamento da psicologia, filosofia e religião confluem para o mesmo desfecho: se o a finalidade da existência humana é o prazer pessoal, como expressão da felicidade, o meio é o esforço e tudo o que dele decorre, como expressão da dor.
Em palavras diferentes das de Cortella, o poeta Zeca Baleiro cantou o mesmo em sua “Babylon”:
“Nada vem de graça, nem o pão, nem a cachaça / Quero ser o caçador / Ando cansado de ser caça”.
Portanto, a vaca não dá leite. Nós precisamos ser o vaqueiro, o caçador, o ator principal da nossa própria vida para extrairmos dela nada mais do que o melhor, sabendo que, para isso, há de termos coragem para enfrentar o custo pessoal e intransferível da angústia inerente a condição humana.