O engenheiro Mário Marcelo Ferreira dos Santos Santoro, acusado de matar e ocultar o corpo de sua ex-companheira – brasileira como ele – na cidade de Sidney, na Austrália, será julgado pela Justiça Federal. A decisão foi da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que acatou a tese do ministro potiguar, Marcelo Ribeiro Dantas, e determinou a remessa da ação para aquela esfera de justiça. O réu está preso preventivamente no Brasil desde 2018, ano em que ocorreu o crime, após supostamente ter fugido do território australiano.
Para o colegiado, a competência da Justiça Federal decorre – entre outros fundamentos – do fato de que a transferência do procedimento criminal para o Brasil, em razão da impossibilidade de extradição de brasileiro nato, deve ser considerada uma forma de cooperação internacional passiva.
Além do reconhecimento da incompetência da Justiça estadual do Rio de Janeiro para a análise da ação penal, a defesa pediu que o engenheiro pudesse aguardar o julgamento em liberdade. Entretanto, como esse pedido não foi submetido ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) no primeiro habeas corpus, a turma considerou que o STJ não poderia decidir a respeito, sob pena de supressão de instância. O colegiado, porém, determinou que o juiz federal analise com prioridade o pedido de relaxamento da prisão.
De acordo com a denúncia oferecida pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, o crime teria sido cometido porque o engenheiro não aceitava o término do relacionamento. Após o homicídio, segundo o MP, ele teria sumido com o cadáver, que foi posteriormente localizado boiando nas águas de um rio da cidade australiana.
A defesa suscitou a incompetência da 2ª Vara Criminal do Rio de Janeiro para julgar o caso, mas o pedido foi negado em primeiro grau, decisão mantida pelo TJRJ.
Interesse da União
No recurso em habeas corpus dirigido ao STJ, a defesa do engenheiro sustentou a competência da Justiça Federal porque, entre outras razões, haveria interesse da União em julgar crimes praticados no exterior. Ainda segundo a defesa, há nos autos pedido expresso de cooperação internacional passiva, o que também implicaria a transferência do procedimento criminal para o Brasil.
O relator do recurso, ministro Ribeiro Dantas, destacou que o entendimento mais recente da Terceira Seção é no sentido da competência da Justiça Federal para a análise de ação penal sobre crime praticado no exterior que tenha sido transferida para a jurisdição brasileira em razão da impossibilidade de extradição, nos termos do artigo 109, parágrafo IV, da Constituição Federal.
Tratados internacionais
Segundo o ministro, como descrito nos artigos 21 e 84 da Constituição, cabe à União manter relações com estados estrangeiros e cumprir os tratados internacionais, fixando-se sua responsabilidade pela persecução criminal nas hipóteses de crimes praticados por brasileiros no exterior, nos quais haja incidência da norma interna – no caso, o direito penal – e não seja possível a extradição, a exemplo do que ocorre nos autos.
Em seu voto, Ribeiro Dantas ainda aplicou ao caso o Decreto 2.010/1996, que incorporou ao ordenamento jurídico brasileiro o Tratado de Extradição entre Brasil e Austrália. Nos termos do tratado, na impossibilidade de extradição de cidadão nacional, o país deve submeter o acusado a julgamento perante a autoridade competente.
“Assim, compete à Justiça Federal o julgamento da ação penal que versa sobre crime praticado no exterior por brasileiro que reingressa em território nacional, o qual tenha sido transferido para a jurisdição brasileira, pela impossibilidade de extradição, aplicável, assim, o artigo 109, IV, da Constituição Federal”, concluiu o ministro ao dar provimento ao recurso em habeas corpus.