Reviravolta: O STF decidiu em favor dos contribuintes ao tornar sem efeito liminar que exigia a CND como condição da homologação dos Planos de Recuperação Judicial.
O ponto fulcral da discussão acerca da necessidade de apresentação de Certidão Negativa de Débitos Tributários (CND) para concessão da recuperação judicial do devedor é a aparente antinomia entre os ditames esculpidos no art. 57 da Lei n. 11.101/2005 (LFRE), que prevê o mencionado requisito e o princípio basilar da RJ encartado no art. 47, do mesmo diploma legal (preservação da empresa). A referida exigência fiscal também é reforçada pelo artigo 191-A do CTN, que condiciona a concessão da recuperação à prova da quitação de todos os tributos.
No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, embora a questão não possa ser considerada totalmente pacificada, já existe uma linha de entendimento com maior sedimentação trilhando pela desproporcionalidade da exigência contida no art. 57 da Lei n. 11.101/2005 (LFRE) com os princípios gerais elencados no art. 47, da mesma legislação, uma vez que no REsp. 1.864.625 – SP o STJ relativizou a regra, entendendo pela desnecessidade da apresentação da CND por empresa em RJ. No citado precedente, o colegiado seguiu à unanimidade o entendimento da relatora, a ministra Nancy Andrighi, que, entre outros argumentos, sustentou que a demonstração da regularidade fiscal do devedor deve ser compatível com os princípios e objetivos que estruturam a operacionalização da Lei 11.101/2005, em especial, o postulado constitucional da proporcionalidade e da relevância da função social das empresas.
Anteriormente, no julgamento do REsp. 1.187.404-MT, o Tribunal da Cidadania também reconheceu que: “a interpretação literal do artigo 57 da LRF e do artigo 191-A do CTN inviabiliza toda e qualquer recuperação judicial, e conduz ao sepultamento por completo do novo instituto”.
Recentemente, colocando mais tempero na divergência jurisprudencial dos tribunais superiores pátrios, em análise de Reclamação formulada pela Fazenda Nacional ao Supremo Tribunal Federal, por usurpação de competência (art. 102, I, “l”, da Constituição Federal e art. 988, I e II, do NCPC), o ministro-presidente Luiz Fux concedeu liminar suspendendo os efeitos do citado acórdão do STJ (REsp 1.864.625 – SP). Contudo, posteriormente, aos 03/12/2020, o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, tornou sem efeito a liminar do ministro Fux, por entender que a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça procurou uma solução com “menor restrição possível às normas legais que nortearam o instituto da recuperação”, levando em conta também o juízo de ponderação, realizado pelo STJ, entre os ditames esculpidos no art. 57 da Lei n. 11.101/2005 (LFRE), e os preceitos gerais norteadores do processo recuperacional elencados no art. 47, da citada norma, especialmente o princípio da preservação da empresa. O relator argumentou, ainda, que a exigência de apresentação da CND “é eminentemente infraconstitucional”, conforme outrora decido pelo Plenário da corte suprema (ADC 46).
Registre-se que em problemática anterior, o ministro Alexandre de Morais, na Rcl 32.147, através de concessão de liminar, suspendeu acórdão da 17ª Câmara Cível do TJ do Paraná que tinha declarado inconstitucional a exigência da comprovação de regularidade fiscal.
Em suma, o STF e o STJ estão longe de trilhar um caminho uníssono sobre tal celeuma, de modo que permanece certa insegurança jurídica dado o fato de que milhares de recuperações judiciais já foram deferidas sem o suprimento da exigência de apresentação da CND. Contudo, verifica-se que o Tribunal da Cidadania revela em seus precedentes um olhar mais prático acerca do fato de que a exigência de tal requisito fiscal como indispensável à concessão da recuperação judicial às empresas, inviabiliza de maneira desproporcional o próprio instituto, dado o fato de que coloca em xeque o princípio da preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica, tidos como corolários da LFRE.
Por Lidia Ana Gomes – Silva de Medeiros Advogados