O Senado Federal aprovou, na sexta passada (03/04), o Projeto de Lei nº 1.179/2020, que trata de várias alterações no Código Civil, CPC e outras leis que regulam processos como usucapião, locação de imóveis, regime societário, Direito Agrário, Condominial, de Família e Sucessões.
O PL, que foi encaminhado para a Câmara dos Deputados e, depois, para sanção presidencial, terá vigência curta. Os dispositivos somente valerão no período de 20/03/2020 (data do Decreto Legislativo n. 06/2020, que decretou estado de calamidade no Brasil) até o dia 30/10/2020.
Porém, as modificações são significativas para este período. Os prazos prescricionais ficarão suspensos ao longo de todo esse tempo. As pessoas jurídicas ficarão impedidas, por exemplo, de realizar reuniões e assembleias presenciais, sendo autorizadas as virtuais. Também não caberá, para execuções contratuais propostas neste período, perdas e danos, à exceção de variação cambial, aumento de inflação ou desvalorização monetária das hipóteses de onerosidade excessiva.
O Código de Defesa do Consumidor também é alterado provisoriamente, pois suspendeu a eficácia do seu art. 49, que previa o direito de arrependimento de sete dias nos pedidos que fossem entregues em domicílio. Ou seja, da sanção da lei até o dia 30 de outubro deste ano, o consumidor não poderá exercer o seu direito de arrependimento.
Da mesma forma, não será possível, para ações de despejo ajuizadas a partir do último dia 20 de março, a obtenção das liminares de desocupação do imóvel, exceto se a ação for fundada em falta de pagamento, para uso próprio, quando o imóvel for relacionado ao trabalho (e este for perdido) ou para demolição.
Além disso, o PL 1.179 autoriza um “calote” dos aluguéis vencidos a partir de 20/03/2020, prevendo o pagamento a partir de 30/10/2020 de forma parcelada, acrescendo-se, no aluguel do mês, uma parcela correspondente a 20% do aluguel, como parte dos aluguéis vencidos.
Assim, as ações de despejo não poderão ter, como objeto, os aluguéis vencidos durante a vigência da lei, quando sancionada.
Nos arrendamentos rurais, ficará suspenso o prazo de seis meses para notificação do arrendatário em casos de retomada, substituição ou renovação do contrato, passando a contar a partir de 30/10/2020. Ficará autorizada ainda a celebração de contratos agrários com pessoas jurídicas controladas por estrangeiros, o que é proibido pela legislação atual.
O prazo aquisitivo de usucapião fica suspenso até 30/10/2020, assim como a caracterização do regime concorrencial pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica.
Para os condomínios, o Projeto de Lei ampliou o poder dos síndicos condominiais, que poderão restringir, sem necessidade de qualquer autorização assemblear, a utilização das áreas comuns; restringir ou proibir a realização de reuniões, festividades, uso dos abrigos de veículos por terceiros, inclusive nas áreas privativas.
Dessa forma, a locação de apartamentos para muitas pessoas ou cessão de garagens a terceiros estranhos aos condomínios poderão ser suspensas em nome da saúde da coletividade.
O impacto deste Projeto de Lei no Direito de Família se restringiu à previsão de prisão domiciliar para os devedores de pensão alimentícia, o que diminui o risco de contaminação no sistema penitenciário.
Por fim, o CTB teve seu art. 100, que previa a capacidade máxima de transporte de pessoas por veículo, suspenso e a LGPD, que passaria a vigorar em 14 de agosto de 2020, foi postergada para agosto de 2021.
Tais medidas, segundo justificativa do propositor do PL, Senador Antonio Anastasia, visam a evitar um colapso do Judiciário, uma vez que se prevê, com a recessão que se avizinha, uma das maiores crises econômicas que o Brasil já enfrentou.
Vários destes pontos, como o caso do “calote” dos aluguéis, por exemplo, são questões controvertidas e poderão ser vetadas pelo Presidente da República, pois, ao se beneficiar uma parte, prejudica-se a outra, como é o caso de locador de único imóvel que sobrevive desta renda.
Espera-se, no fim, que prevaleça o bom senso e, principalmente, a boa-fé do brasileiro para que continue a cumprir as suas obrigações na medida de suas reais condições, sem qualquer tentativa de “dar um jeitinho” ou de levar alguma vantagem, condutas tão comuns no Brasil de outrora.
Kennedy Diógenes
ADVOGADO – OAB/RN 5786