“Como posso continuar / Dia após dia / Quem pode me fortalecer em todos os sentidos / Onde posso estar seguro? / A onde pertenço? / Nesse enorme mundo de tristeza”.
“How can I go on“, canção de Freddie Mercury, traz um questionamento que, apesar de ter sido gravada em 1987, continua a ser extremamente atual: como continuar quando somos tomados pela sensação de deslocamento, de não pertencimento a este mundo que se torna cada vez mais irreconhecível para todos nós?
Sem dúvidas, o grito de Mercury ecoou e atravessou gerações, passando a fazer sentido para aqueles que não encontraram ou perderam o seu lugar neste “mundo de tristezas”; gente que, de certa forma, vivenciou rejeições familiares, sociais ou profissionais que causaram profundo sofrimento emocional e psíquico.
O psicólogo americano Abraham Maslow, ao formular a teoria da hierarquia das necessidades, apresentou um modelo de motivação que possui, logo depois das necessidades fisiológicas e de segurança, o pertencimento, ou seja, a necessidade de amar e de se sentir amado em suas relações humanas.
Ocorre que, de fato, o modus vivendi de nossa civilização ocidental, narcísica e fortemente lastreada em bens de consumo passageiros e, não, em valores éticos e morais imperecíveis, fortaleceram o sentimento de isolamento e desconexão entre as pessoas, sendo esta uma das principais causas da depressão deste século.
E este mal aflige uma multidão que pensa não ter um lar para voltar. Em qualquer esquina física ou virtual, encontramos pessoas que fazem coro com o vocalista do Queen ao pedir: Precious Lord… Hear my plea and take care of me (Precioso Senhor… Escute meu apelo e cuide de mim).
A resposta às orações da música “How can I go on” tem uma fórmula infalível com a qual se combate a maioria dos males da alma humana: o amor, este sentimento complexo que se desdobra em várias vertentes, tais quais o autoconhecimento, a compaixão e o perdão.
Segundo Bert Hellinger, que elaborou a constelação familiar, o amor é a única fonte que nos impulsiona verdadeiramente, sendo, o pertencimento, além de uma das expressões do ágape, uma lei universal inerente à condição de seres gregários que somos.
Dessa forma, nós não precisamos da autorização de ninguém para pertencermos ao nosso sistema familiar, que é muito maior do que nossos pais ou irmãos, envolvendo todos aqueles que existiram antes e existirão depois de nós, ainda que os desconheçamos.
Por esta razão, a reconexão com este mundo passa pela compreensão de que todos estamos ligados e pertencemos a um sistema, mas que, primeiramente, devemos trilhar o caminho da autoaceitação, passando a pertencer a nós mesmos, sermos fiéis às nossas próprias expectativas e sentimentos.
Decidir pertencer a nós mesmos e ao nosso core mater é, justamente, o tipo de vivência que poderá nos haurir de forças para continuarmos a nossa trajetória, pois, como disse Clarice Lispector, “A vida me fez, de vez em quando, pertencer, como se fosse para me dar a medida do que eu perco não pertencendo. E então eu soube: pertencer é viver”.