Já percebeu que, do nascimento à morte, parece que, a cada passo, sempre estamos perdendo algo durante nossa trajetória?
Mário de Andrade, no “Valioso tempo dos Maduros”, expressou bem este sentimento ao se referir à perda do bem mais precioso, depois da vida, que é o tempo:
“Sinto-me como aquele menino que recebeu uma bacia de cerejas… / As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço…”.
A perda é um fato que devemos aprender a conviver. Além dos grãos que se esvaem pela ampulheta da vida, perdemos, diariamente, cerca de 50 milhões de células, causando o envelhecimento que se inicia já no primeiro dia em que abrimos os olhos no plano terrestre.
Depois, a “socialização” nos faz perder a individualidade, forçando-nos a exibir, para sermos aceitos pelos narcisos de ocasião, o misancene esperado, carregado das cores e crenças dos outros que, geralmente, nos forçamos a acreditar para pertencer.
Neste processo de adequação (que leva toda uma vida), perdemos vergonhas, jogos, oportunidades, objetos e afetos. Sim, os afetos também nos deixaram (ou nós os deixamos) por muitas razões, sejam imperativas, como no caso da inevitável morte, sejam optativas, no caso em que tomamos caminhos diferentes.
No entanto, as perdas trazem, em si, o gérmen da transformação, sendo uma condição própria do ser humano. Igual as dores, as perdas passam a ser terreno fértil de crescimento e evolução impostos pela vida, pois o porvir não comporta vácuo. Como revelam os versos do poema de Alberto Caeiro, perder-nos dos outros pode ser a chave para que nos encontremos:
“Procuro despir-me do que aprendi / Procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram / E raspar a tinta com que me pintaram os sentidos / Desencaixotar as minhas emoções verdadeiras / Desembrulhar-me e ser eu”.
Afinal, quem nunca ouviu dizer que é preciso perder para ganhar? Este paradoxo foi explorado por Hannah Arendt, que dizia que tudo o que escolhemos (ou o que nos foi imposto) carrega o seu oposto. Se somos corajosos, escolhemos sê-lo apesar do medo; se escolhemos um caminho, rejeitamos todos os outros, apesar de viáveis. Ou seja, depois da perda, sempre despontará algo de novo, na próxima esquina.
A natureza é exatamente assim. A maioria das células que morrem é substituída por outras; impérios são erguidos a partir de negócios que, um dia, fracassaram; os amores e amigos que se foram, apesar de insubstituíveis, oportunizam a construção de novos laços que amenizam ou curam a ausência dos que partiram.
A grande questão é que nos concentramos tanto nas perdas, ou ficamos com tanto medo de tentar de novo, que não conseguimos ver o que obtemos todos os dias. Shakespeare repetia que “Nossas dúvidas são traidoras e nos fazem perder o que, com frequência, poderíamos ganhar, por simples medo de arriscar”.
Entre perdas e ganhos, acrisolamos nosso espírito. Para nós, que lamentamos as perdas, que estamos cansados de tantos recomeços, precisamos ter a consciência de que, a cada amanhecer, novos aprendizados, possibilidades infinitas de realizações e verdadeiros milagres da vida desfilam diante do nosso próprio nariz. Uma fila no caixa pode se transmutar em uma nova amizade; uma faixa de pedestre, em uma gentileza; um pedinte na rua, em uma caridade.
Apuremos os sentidos para todas estas oportunidades. As perdas são mestres a nos ensinar a dar valor ao que temos e a prestar atenção no agora, pois a impermanência é atributo da evolução.
Dessa forma, ninguém estaciona nos degraus da vida.