Uma composição de Raul Seixas e Paulo Coelho, da segunda metade do século passado, a música “Eu também vou reclamar” traz um trecho que, aplicando-se aos tempos atuais, é a síntese de um sentimento que tem dominado várias pessoas no mundo moderno e pandêmico.
A humanidade, nestes últimos dois anos, tem enfrentado sua maior ameaça que, conquanto a postura negacionista de muitos, vai superando as adversidades e perdas com esteio na fé, na ciência e na coragem de cientistas e profissionais de saúde.
Já antes da pandemia, a Terra vinha encolhendo a olhos vistos, com suas fronteiras estreitadas pela evolução tecnológica e sob as asas da globalização, sem, contudo, conseguir diminuir o fosso abissal das desigualdades sociais.
É certo que alguns muros físicos e geográficos tombaram, mas o oriente e o ocidente ainda persistem em divisores sociais, raciais e religiosos, relegando países inteiros à própria sorte, pois desinteressantes aos olhos do Senhor Mercado, como as paupérrimas nações africanas ou latino-americanas, enquanto outras, como as ricas nações árabes, foram bafejadas pela sorte e prosperidade.
Quanto às pessoas, estas vivem numa era veloz, prisioneiras, 24 horas por dia, a um Universo virtual e segmentado segundo suas compras, escolhendo relacionamentos com matchs em apps, olvidando-se de que o propósito das máquinas é o de auxiliar, e não o de substituir a experiência humana de conexões consigo mesmas e com aquelas outras rejeitadas pelos algoritmos.
O ambiente social competitivo também produziu pessoas frias, interesseiras, individualistas e grosseiras. Enclausuraram-se em seus sentimentos baseados no próprio umbigo e potencializaram frustrações, raivas e ressentimentos, descambando facilmente para as doenças psíquicas.
É fato que os caminhos escolhidos pela sociedade moderna conduzem-na para inúmeras patologias da alma, depressões e suicídios, alimentados pelos quatro monstros da alma, que são “… a solidão causticante, a rotina irritante, a ansiedade avassaladora e o medo amofinante”, como ensina outro baiano, o doutrinador espírita Divaldo Franco.
Neste contexto, a poesia de Seixas e Coelho, urdida em 1976, ganha contorno de predição ao pedir, em uma de suas estrofes, “pare o mundo que eu quero descer”, sintetizando o sentimento frustrante daqueles que sonharam um mundo mais justo, mais humano ou, simplesmente, diferente.
No entanto, como lembra a música, “As perguntas continuam sempre as mesmas: quem eu sou? Da onde venho e aonde vou?”, deixando claro que, apesar da evolução tecnológica, do consumismo esmagador e do distanciamento das relações, as questões humanas perdurarão para além do que os olhos e os sentidos conseguem perceber.
Assim, vale a pena pedir, com aquela voz rasgada e renitente de Raul ao fundo, “pare o mundo que eu quero descer”, pois as respostas que satisfazem o espírito humano não podem ser encontradas em e-commerces e entregues pelos correios.
Ainda há tempo para se desconectar deste mundo tresloucado, abrir as janelas do quarto e espantar as sombras da ilusão, passando a sentir a incrível sensação de viver com todos os seus sabores, pois sempre há outros bondes, na linha da esperança, que têm, como destino, a felicidade.