A Justiça potiguar recebeu a denúncia oferecida pelo Ministério Público do Rio Grande do Norte (MPRN) contra sete pessoas pelos crimes de peculato, associação criminosa e falsidade ideológica, investigadas na operação Combustão, deflagrada em 2018. O grupo é suspeito de desviar recursos públicos do Município de Angicos, através de abastecimento de veículos particulares pago pelo Poder Público Municipal. Estima-se que o prejuízo aos cofres da cidade tenha sido da ordem de R$ 1,932 milhão no período de três anos.
O grupo, envolvendo agentes públicos municipais e funcionários de um posto de combustíveis, falsificou notas fiscais para justificar gasto do Município de Angicos e chegou a extraviar documentos públicos, numa clara associação para o fim específico de cometer crimes contra a administração pública e a fé pública. A falsidade ideológica se dava a partir da omissão de informações que deveriam constar na nota fiscal e nos processos de pagamento, em especial a indicação das placas dos veículos abastecidos e sua quilometragem.
A denúncia do MPRN foi acatada pela Justiça, que tornou réus o ex-secretário Municipal de Transporte e Obras Públicas, Francisco Ivan de França Dias, a ex-secretária Municipal de Saúde, Nataly da Cunha Felipe de Souza e o então fiscal administrativo de contrato, Francisco Alex Sandro da Silva, e mais quatro outros colaboradores no esquema, que trabalhavam no posto utilizado para o desvio dos combustíveis.
Consumo surreal de combustível
Em 2018, a Promotoria de Justiça de Angicos instaurou um inquérito civil para apurar denúncia a respeito da falta de controle no fornecimento de combustíveis, pagos pela Prefeitura de Angicos, no Posto Angicos, de propriedade da JM Empreendimentos. A empresa foi contratada através do pregão presencial para fornecer combustível para a frota de veículos da Prefeitura, entre março de 2017 e setembro de 2018.
O MPRN constatou que o combustível adquirido pelo Município era indiscriminadamente distribuído entre cidadãos, a partir da autorização informal de agentes públicos da Prefeitura. Os documentos apresentados pela Prefeitura apresentavam inconsistências (como ausência de indicação do veículo abastecido, denominações genéricas como “veículos pesados” e uso de gasolina comum, que não serve para esses tipos de veículos). Essa prática viola normas que regem os processos de despesa pública.
Mais da metade das notas fiscais não indicava a discriminação das placas, o que corresponde a 50,96% dos abastecimentos realizados através do Fundo de Assistência de Angicos, 99,51% dos realizados através do Fundo Municipal de Saúde e 89,28% dos realizados pela conta da Prefeitura de Angicos.
Realizada perícia contábil nos processos de pagamentos, evidenciou-se ainda um gasto surreal do Município de Angicos com combustível, sem justificativa de uso ante a frota municipal e o objetivo dos veículos. Na deflagração da fase I da Operação Combustão, em outubro de 2018, não foram encontrados nos arquivos do posto de gasolina nenhum documento sobre o controle de combustível da frota de veículos da Prefeitura de Angicos.
Na Combustão II, deflagrada em setembro de 2020 (dois anos após o encerramento do contrato com o Posto Angicos), por sua vez, foram apreendidas notas de abastecimento na residência do denunciado Francisco Ivan e cupons fiscais de abastecimento de combustível na residência da denunciada Nataly Felipe. Para o MPRN, ficou claro que, por anos, os dois ex-secretários extraviaram documentos essenciais para a fiscalização dos gastos de verbas públicas com combustíveis.
As pessoas indicadas pelos agentes públicos, independentemente de qualquer justificativa, abasteciam no Posto Angicos às custas do Município, sem anotação de placa ou qualquer outro registro específico. Em várias oportunidades, “comandas” escritas à mão bastavam para a autorização do abastecimento. Em outras, apenas uma ligação telefônica ou uma mensagem serviam como autorização.
Ademais, mensagens trocadas por aplicativos de smartphone e fotografia juntada na Denúncia revelam que parte do combustível era revertida em dinheiro vivo, entregue aos agentes públicos para uso indevido.
O caso agora será processado pela Justiça como Ação Penal, conduzida pela Vara Única da Comarca de Angicos.